Professora avalia que a política de criação da UFAR pode ser uma forma de legitimar o fechamento dos campi do interior

Criação UFAR


Luiguy Kennedy

Com a ampliação das discussões da emancipação do Campus Universitário de Sinop (CUS), que vem realizando audiência pública para debate em torno da criação da Universidade Federal do Nortão de Mato Grosso (UFNMT), no Campus Universitário do Araguaia (CUA) segue debate, apenas interno, sobre a fundação do Universidade Federal do Araguaia (UFAR), no âmbito do Conselho Universitário do Araguaia (Consua), mas já com repercussão na comunidade acadêmica.

O assunto ganha contornos de disputas envolvendo grupos favoráveis e contra a independência administrativa do Campus, que resultará em iniciar uma nova política própria, gerindo os próprios recursos, envolvendo reestruturação e aumento de gastos para a educação superior pública. Assim, se os dois projetos em andamento no Congresso Nacional obtiverem êxitos, da UFMT saírão três novas universidades no estado.

O projeto de lei nº 4.810 do senador Carlos Fávaro (PSD/MT) continua em tramitação no Senado Federal, com apoio do atual reitor da UFMT, Evandro Aparecido Soares da Silva, Senador Wellington Fagundes (PL/MT) e de outros parlamentares mato-grossenses.

O Senador Fávaro em entrevista à Agência Focaia no mês de setembro, afirmou que "O projeto visa justamente dar autonomia para a comunidade acadêmica, professores, alunos, que vivem na região, conhecem as demandas por qualificação dos municípios e podem atuar para suprir estas necessidades”.

 

Discussões a respeito da emancipação do campus de Sinop, ampliam o debate sobre a possível criação da Universidade Federal do Araguaia (UFAR). Imagem – Arquivo Focaia

 

A Agência Focaia faz contato com alguns docentes e discentes para tratar do assunto. Como se pode constatar, tanto no Conselho Universitário do Araguaia, como entre grupos de professores e discentes, a emancipação do campus vem ganhando apoiadores e opositores.

Com voz dissonante a respeito do projeto, a Agência Focaia entrevista Graziele Borges de Oliveira Pena, que é coordenadora geral da subseção do Sindicato dos Docentes da Universidade Federal de Mato Grosso (Adufmat), professora na UFMT/CUA desde 2010, no curso de química, do Instituto de Ciências Exatas e da Terra (ICET).

Nas palavras da docente, a criação da UFAR poderá resultar “na possibilidade de haver o desmembramento” da nova universidade. Neste sentido, acrescenta que "os professores e técnicos podem optar em migrar para UFMT de Cuiabá,” com reflexo negativo na estrutura atual do CUA.

A docente defende que no período próximo das eleições seria prudente manter distanciamento da política partidária, cujos parlamentares podem fazer vitrine de seus projetos para ganhos políticos. Sugere que a aprovação e projetos para separação das universidades públicas, neste momento político, “talvez seja uma forma de legitimar os fechamentos dos campi do interior.”

Avalia que a proposta de projeto para “desmembrar uma universidade pode parecer muito mais bonito no papel do que de fato seria na realidade, pós desmembramento.

Ao conceder a entrevista, a docente fez questão de afirmar que expressa a própria opinião e não retrata o posicionamento da subseção da Adufmat. A seguir a entrevista.

Focaia - Na UFMT, recentemente houve o desmembramento da Universidade Federal de Rondonópolis. Entre as dificuldades da implantação da UFR estão a criação dos cargos de reitor e vice-reitor e toda composição de nova estrutura. Na sua avaliação, o campus universitário do Araguaia dispõe de recursos pedagógicos, administrativos e financeiros para possível emancipação?

Graziele BorgesEu nunca atuei como gestora, mas como professora vejo a falta de recursos desses níveis, tanto pedagógicos, administrativos e financeiros, mesmo sem a emancipação. Ou seja, avalio que não seria possível fazer a emancipação enquanto esses problemas não fossem resolvidos, porque, uma vez que ocorra o desmembramento não só deve haver a criação de cargos de reitor e vice-reitor, nós temos que ter uma estrutura de recursos humanos, que não temos aqui, por exemplo. Existem várias estruturas, da UFMT que está no campus de Cuiabá, que nós não temos como criar aqui e demandaríamos contratação de muitos técnicos para que essas estruturas possam existir dentro da universidade, se o desmembramento ocorresse. Outro ponto, que acredito, poucas pessoas se atêm, é o fato de que na possível emancipação os professores e técnicos, podem optar em migrar para a UFMT de Cuiabá. Com isso, poderia haver a migração de muitos professores, e ainda temos muitos problemas para resolver; e se tivermos um desmembramento teremos muito mais problemas, por falta de recursos e pelo momento em que vivemos, então existem muitos aspectos que dificultam pensar nesse possível desmembramento, infraestrutura, contratação de professores, laboratórios precários, aquisição de material pedagógico.

As universidades públicas do país estão com cortes no orçamento em cerca de 18,16% de acordo com Andifes. Este seria um bom momento, de falta de recursos disponibilizado pelo governo federal, para a separação administrativa do Campus e criação da UFAR?

Por estarmos vivenciando esses cortes orçamentários no atual governo, com a falta de políticas públicas de incentivo, cortes em vários setores, inclusive na produção da ciência, vejo que é um péssimo cenário, para pensarmos em desmembrar o Campus do Araguaia da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), que tem uma estrutura que a gente não possui. Pois, em Cuiabá, temos uma estrutura que nos ajuda a nos mantermos no interior. Se a grandes universidades estão sofrendo com os cortes de recursos, não há cabimento em pensarmos em desmembrar um campus do interior, em meio a um governo que está fazendo cortes nos orçamentos das universidades. 

O processo de criação de uma universidade independente, como é o caso da UFAR, exige apoio político de parlamentares do estado. Pelo fato de estamos já num processo eleitoral, o projeto não correria o risco de se revelar uma estratégia de campanha?

Acredito que não é interessante essa aproximação e apoio político neste momento, como temos a proximidade da campanha eleitoral, então existem pessoas que vão lucrar com imagem de promover, ajudar e colaborar para que um campus se torne uma universidade, e no papel haja uma universidade a mais, nos números, mas é uma universidade com muito potencial para fechar, que poderá passar por muitas dificuldades e que possa não receber apoio pós campanha. Sabemos que durante os anos eleitorais e próximos das campanhas algumas coisas devem ser evitadas, como as relações políticas, para que não haja interferências nas campanhas, para que haja transparência. Desmembrar uma universidade pode parecer muito mais bonito no papel do que de fato seria na realidade, pós desmembramento.

Com a separação da UFMT, a UFAR passa a ter responsabilidade de construir toda uma nova estrutura, sobretudo construir sua visibilidade regional e nacional. Há condições para resultados a curto prazo ou caminho é longo? Como analisa?

Eu não vejo resultados positivos a curto e nem a longo prazo. Construir uma nova estrutura ou dar possibilidades a estrutura existente para que possamos ter autonomia e sermos uma universidade federal, isso demanda muito apoio financeiro, muito recurso humano, pedagógico, contratação de novos técnicos, novos professores. Nós vivemos num momento que não vai haver esse tipo de questão e há possibilidade de migração dos profissionais que foram concursados para a UFMT de Cuiabá. Os professores já estão sobrecarregados pela falta de profissionais técnicos. O que precisaríamos neste momento, é sobreviver a estes cortes orçamentários, tentarmos melhorar, através de processos seletivos e concursos e melhorar as condições de trabalho dos professores.

Com a criação da UFAR, quais os benefícios e os desafios da comunidade acadêmica da nova universidade para os próximos anos?

Eu não vejo a curto prazo benefícios, passaremos por grandes problemas, desafios acadêmicos, com o aumento do trabalho dos docentes, pois temos uma falta de estrutura, seja professores ou técnicos. Deve-se melhorar os conceitos dos nossos cursos, a pós-graduação, investir em pesquisas e já vivemos grandes desafios, que é nos mantermos. Uma nova universidade, criada a partir deste cenário atual, de falta de recursos orçamentários, no cenário que já vivemos com dificuldade, penso que para os próximos anos as condições do campus podem se deteriorar, não de uma forma negativa, mas realista, temos cursos que podem serem fechados e estamos em iminência de que isso possa acontecer. Ao invés de pensarmos como poderíamos melhorar isso, pensar em emancipar uma universidade é construir algo sobre uma estrutura muito frágil, que para mim não se sustentará em alguns anos. Talvez seja uma forma de fazer com que as universidades do interior se desmembrem, parem de funcionar aos poucos e morram à mingua. Talvez seja uma forma de legitimar os fechamentos dos campi do interior, por que não pensar dessa forma? Não há possibilidades de criar uma universidade no interior neste cenário, é preciso analisar todas as possibilidades e intenções ou da falta de consciência de quem está pensando nessas questões nesse momento. Se estivesse de fato pensando na comunidade acadêmica, estaria ouvindo ela.

Como professora da instituição é favorável ou contra a separação do Campus Araguaia para Criação da UFAR?

Como professora da instituição, sou contra a emancipação do campus Araguaia da Universidade Federal do Mato Grosso, sei que é uma questão que a muito tempo perpassa o desejo da comunidade acadêmica, não toda ela, de fazer parte de uma universidade emancipada, autônoma, mas autonomia sem recurso não é autonomia. Seria favorável, se não fosse este cenário que vivemos, aqui no campus, da falta de recursos financeiros, falta de contratação de professores e técnicos, serviços terceirizados passam por alguns problemas. Deveríamos melhorar os problemas que temos, para pensarmos em um desmembramento. Avalio que as consequências podem ser muito ruins, acredito que neste processo, se a comunidade acadêmica fosse ouvida, nós que participamos da base da universidade, poderíamos dizer a situação que vivenciamos, extremamente sobrecarregados, muitas atividades a serem realizadas e muitas vezes, sem suporte administrativo, pois falta técnicos, recursos, os laboratórios precisam de reforma e modernização. Tenho medo de que essa universidade do interior se enfraqueça e talvez não se mantenha, essa questão deveria ser ouvida. As intenções de quem se propõe isso [a criação da UFAR] e a falta de diálogo com a comunidade acadêmica, demonstra talvez outros interesses que não aqueles que são manter uma universidade funcionando com qualidade, potente, que produz conhecimento e que atenda a comunidade externa, via projetos de extensão. Ressalto que não é o momento para isso, e volto a dizer, não estão nos ouvindo, não estão nos perguntando se iremos ficar, isso precisa ser debatido.