Abandono de animais na região do Araguaia expõe falta de consciência da população e descaso do setor público

Meio Ambiente

Agência Focaia
Reportagem 
Vasco Aguiar

O abandono de animais tem sido um problema em grandes e pequenas cidades do Brasil. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), existem cerca de 30 milhões de animais vivendo nas ruas no país. Nossa reportagem constatou que nos municípios que fazem parte do Vale do Araguaia, como Barra do Garças, Pontal do Araguaia e Aragarças, é possível encontrar cães e gatos abandonados que circulam pelas vias públicas. 

Em condição de abandono, muitos destes animais são deixados em lugares em que recebam algum tipo de acolhida. Um destes locais é a Universidade Federal de Mato Grosso, Campus Araguaia, Unidade Universitária da cidade de Pontal do Araguaia. No local somam três cachorros sem dono, número que pode variar ao longo do tempo. No mês passado, porém, a população destes animais eram formada por quatro cães, um foi sacrificado em decorrência de leishmaniose.

    Fotos: Vasco Aguiar

   Cachorro abandonado que circula no Campus Araguaia da UFMT, em Pontal do Araguaia

O ato de abandonar animais é crime com pena prevista de três meses a um ano de detenção e multa. No entanto, a falta de fiscalização acaba incentivando que aconteçam casos de descarte de animais na região do araguaia, o que ocorre de forma indiscriminada.

A estudante do curso de Biologia da UFMT Araguaia, Ana Cristina Almeida, é uma das pessoas que se disponibilizam por acolher os animais abandonados na unidade universitária. Ela entende que o abandono ocorre naquele local por ser afastado das zonas mais populosas da região, e também por não haver fiscalização.

Descaso público 

“Nossa unidade, diferente da de Barra do Garças, não possui uma guarita, isso facilita o descarte de animais doentes e filhotes também” diz. A estudante enxerga descaso dos representantes do poder público municipal em relação a este tema. “Eles não ligam para o abandono de animais, pois não fazem nada para tentar mudar essa situação". As prefeituras, segundo Almeida, deveriam olhar com muito cuidado para o problema, no entanto desprezam.


A acadêmica chama a atenção das comunidades para evitar o alto índice de animais abandonado nas ruas e pede para que as pessoas tenham consciência de que possuir animais domésticos é algo sério. “Não podem simplesmente descartá-los como objetos. O mais fácil é que façam a castração de seus bichos de estimação, assim colaboram para a não superpopulação destes animais”, aconselha.

Ela explica o trabalho que é feito na UFMT/Campus de Pontal do Araguaia, no sentido de amenizar o sofrimento dos animais. “Levamos ao veterinário para realização de exames, caso estejam com a saúde satisfatória, são castrados e colocados para adoção”. Se dectada alguma doença são tratados e também posteriormente adotados. Almeida também explica que não recebem ajuda de custo da universidade, nem do poder público, "realizamos vaquinha para conseguir comprar ração ou para resolver qualquer imprevisto que surja".


O que diz a UFMT
                            Foto: Vasco Aguiar
Unidade I da UFMT Araguaia, onde chegam vários animais sem dono, muitas vezes doentes.


O pró-reitor do Campus Araguaia, Paulo Jorge da Silva, informa que no dia 7 de novembro ocorrerá licitação para a construção de uma guarita na unidade em Pontal do Araguaia. Ele afirma que não é possível coibir a entrada de animais sem a existência de um bloqueio físico. Sobre o prazo para entrega, Silva diz acreditar que “a licitação saindo, provavelmente em fevereiro ou março a guarita seja construída”, afirma.

A prefeita do Campus Araguaia, Marina Matos, diz ter conhecimento do abandono de animais na unidade em Pontal do Araguaia. “Já recebemos diversos e-mails reclamando deste assunto. No último mês, esse tema foi bastante discutido em razão de termos tratado de um cachorro com leishmaniose, que infelizmente teve que ser sacrificado”, relata. 

Para a prefeita, é necessário conscientizar os frequentadores do Campus Araguaia, incluindo a Unidade II, em Barra do Garças, de que não devem colaborar com a manutenção de animais domésticos na universidade. 

“Somos seres humanos e sentimos muito pela situação dos cães e gatos desamparados, mas incentivar o acolhimento faz com que surja um ciclo vicioso. Nunca vai parar de chegar animais”. 

Ela lamenta a atitude daqueles que tomam a iniciativa de abandoná-los no campus, e destaca que “o abandono é crime, não deve acontecer. E pelo volume que nos tem chegado, uma hora não teremos mais como acolhê-los”, afirma.

Matos relata que entrou em contato com a Prefeitura Municipal de Pontal do Araguaia. De acordo com Marina, foi informado que não existe programa de combate ao abandono de animais ou castração na cidade. No entanto, segundo ela, a prefeitura esclarece que no caso de suspeita de leishmaniose deve-se entrar em contato com a Vigilância Ambiental, na Secretaria de Saúde do município, e uma equipe vai ao local coletar amostra para fazer o exame, assim que sair o resultado são decididos os próximos passos.


Anjos de 4 Patas

   
Foto: Kelohan Benevides
    Animal que passou a viver no pátio da unidade I da UFMT, cuidado pelos estudantes, em Pontal do Araguaia.

Existe na região, o grupo "Anjos de 4 Patas", constituído de protetores independentes que unem forças em prol da causa animal, o qual foi criado por alunos da UFMT Araguaia. A finalidade, segundo uma das idealizadoras e também acadêmica, Geovana Castro da Costa, é levar socorro aos animais abandonados de toda a região, castrá-los e encaminhá-los para a adoção. “Existe também a preocupação de conscientizar a população sobre o abandono animal, benefícios da castração, adoção responsável e doenças que afetam cães e gatos”, explica.

Ela esclarece que o grupo não representa uma Organização Não-Governamental (ONG), tampouco uma associação constituída em defesa dos animais, dessa forma, não recebem ajuda financeira de quaisquer órgãos estatais. “Tudo que fazemos depende diretamente das doações de colaboradores fixos ou esporádicos”.

A acadêmica reforça a convicção de que seja necessário pensar na adoção responsável. “Ter um animal exige tempo, dinheiro e espaço. Pessoas que não podem oferecer condições mínimas de vida digna aos bichos não devem tê-los”. Sua indignação é que “boa parte dos animais abandonados está nas ruas por conta da inconsequência de seus antigos tutores”, reclama.

Para Costa, o poder público não dispensa nenhuma atenção ao alto índice de animais de rua que vagam pelas três cidades do Araguaia. “Não existe incentivo algum à castração ou a vacinação. A única vacina oferecida é a antirrábica”.

Ela enfatiza que nos casos mais graves, como de leishmaniose, doença que aparece com frequência nos animais abandonados, não se vê nenhuma ação. “Os prefeitos não se importam nem em retirá-los das ruas e oferecer-lhes uma morte digna”, lamenta. 

A acadêmica relata que todos os dias recebem pedidos de ajuda para auxiliar animais infectados pela leishmaniose e não existe alternativa viável, do ponto de vista financeiro. C
omo afirma, para tratar esses cachorros não restando alternativa a não seja à eutanásia, procedimento que de acordo com ela, a ‘Anjos’ paga integralmente.

“Não existe interesse porque não existe consciência ambiental por parte de nossos gestores. Não percebem que animais de rua são uma questão de saúde pública. Para reverter o quadro, como revela Geovana Castro, é imperiosa a instalação de um centro de controle de zoonoses, onde se possa examinar, tratar e castrar animais”.

O outro lado

A Agência Focaia entrou em contato com as três prefeituras da região do Araguaia citadas na reportagem, Barra do Garças, Pontal do Araguaia e Aragarças. No entanto, até o fechamento da matéria não recebemos repostas dos órgãos públicos.