Setembro Amarelo: falar sobre o suicídio pode salvar vidas, afirma psicóloga

Especialistas alertam para a importância da escuta e do acolhimento na prevenção do suicídio.



Estenio Mota

Saúde 

  

Setembro é o mês da campanha nacional de prevenção ao suicídio e de conscientização sobre os cuidados com a saúde mental. No mundo todo, o fenômeno é responsável por quase 700 mil mortes por ano. No Brasil, anualmente, são registrados cerca de 14 mil suicídios anualmente.

 

Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que o suicídio provoca mais mortes do que o HIV, guerras e homicídios, afetando crianças, jovens e adultos. Apesar de ter havido uma redução no número global de mortes nos últimos anos, os países do continente americano caminharam na contramão, registrando crescimento de 17% nos casos entre 2000 e 2019. Esse cenário gera preocupação e reforça a importância de campanhas de prevenção, a exemplo do Setembro Amarelo.

 

A campanha ganha força ao reforçar a necessidade de diálogo, prevenção e acolhimento. Ao longo do ano, o Campus Universitário do Araguaia da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT-CUA) realiza ações específicas voltadas à comunidade acadêmica, fortalecendo a discussão em nível local.

 

Dor profunda e autoextermínio

 

De acordo com a psicóloga da UFMT-CUA, Heloísa Lima de Carvalho, compreender o fenômeno é essencial para reduzir os índices. “O suicídio é uma dor muito profunda, quando a pessoa chega à conclusão de que o autoextermínio é a melhor solução. Ela não quer morrer, quer matar a dor que está sentindo”, explica.



Entrevista com a psicóloga Heloísa Lima de Carvalho, via Google Meet - imagem: Estenio Mota.



Segundo a especialista, os fatores que mais contribuem para esse desfecho são o transtorno depressivo maior, a tristeza profunda, o vazio existencial e a perda de sentido da vida. Situações como luto, dependência emocional e até experiências de preconceito, como a LGBTfobia, também podem agravar o sofrimento.

 

Apesar de ainda existir resistência em abordar o assunto, Heloísa ressalta que conversar sobre suicídio não gera gatilho, ao contrário: “Falar é importante para perceber sinais de alerta. Isso ajuda a pessoa a expressar seus sentimentos e até mesmo o planejamento. Escutar sem julgamento e oferecer um espaço seguro faz com que a pessoa se sinta ouvida e confiante.”

 

Ela destaca que a rede de apoio formada por familiares, amigos, colegas e profissionais é determinante para o cuidado. “Até os próprios colegas podem ser rede de apoio. Em muitos casos, o encaminhamento para o CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) é fundamental”, afirma.

 

Projeto da UFMT Araguaia trabalha em estratégias de prevenção

 

A UFMT-CUA desenvolve projeto “Saúde Mental e Qualificação do Ensino, Gestão e Assistência” em atividade desde 2013, atualmente coordenado pela professora Dra. Alisséia Guimarães Lemes. A iniciativa busca não apenas intervir em momentos críticos, mas criar uma cultura de cuidado contínuo. 


Segundo Alisséia, só em 2025 já foram realizadas 89 ações voltadas à comunidade acadêmica e ao público externo, com temáticas que vão desde ansiedade e depressão até automutilação e prevenção ao suicídio. “Não é um projeto que atua apenas no mês de setembro. Nós trabalhamos desde o Janeiro Branco, chamando atenção para a importância da saúde mental”, afirma.

 

Entre os principais desafios ao trabalhar com a temática do suicídio, a professora destaca a resistência inicial em reconhecer a necessidade de ajuda. “Para qualquer público, inclusive os universitários, o maior desafio é entender que buscar ajuda é necessário. Muitas vezes o problema começa com insônia, tristeza ou decepções acadêmicas.



Professora Alisséia Guimarães Lemes durante entrevista – Foto: Estenio Mota

 

Para a professora, ainda é fundamental ampliar as políticas de divulgação sobre o serviço de psicologia oferecido pela universidade, bem como as atividades oferecidas por projetos de extensão, que possam dar suporte aos estudantes, e até mesmo os serviços de saúde disponíveis na Rede de Atenção Psicossocial existentes no município. 


“Ainda hoje, se perguntarmos no Restaurante Universitário quem conhece o setor, o número de estudantes é baixo. Isso evidencia a necessidade de estratégias de comunicação mais eficazes, especialmente porque a procura é alta e o trabalho recai sobre uma única profissional, o que torna o desafio ainda maior.”

 

O projeto também busca dialogar com a comunidade externa por meio de ações em cursos, eventos acadêmicos e atividades dentro do Restaurante Universitário (R.U.), além de estimular a formação de multiplicadores entre os próprios estudantes. 

 

Dados que preocupam

 

A professora Alisséia apresentou ainda resultados parciais de um estudo em andamento sobre uma pesquisa realizada entre 2023 e 2024, com 232 estudantes da UFMT-CUA. Conforme o levantamento 36,6% dos participantes afirmaram já ter se automutilado, 64,2% relataram ter pensado em morrer e 27,6% já tentaram suicídio em alguma ocasião da vida.

 

O estudo está em fase de finalização e deve ser publicado nos próximos meses, trazendo subsídios para novas estratégias de enfrentamento.

 

Reconhecer sinais

 

Expressões como “seria melhor se eu morresse” ou “quero me despedir”, mudanças bruscas de comportamento e isolamento social são indícios que merecem atenção.

 

“É importante observar quando a pessoa deixa de fazer atividades que antes gostava, apresenta características depressivas, doa pertences ou demonstra desejo de se afastar dos outros. Em alguns casos, os sinais não são evidentes, por isso o diálogo é essencial”, orienta Carvalho.

 

No contexto acadêmico, a psicóloga observa que a verbalização direta sobre desejo de suicídio é rara, mas a queda nas notas e no rendimento podem ser sinais de alerta. “Muitos estudantes não falam diretamente, mas demonstram a ideação. Isso só aparece com o tempo, quando há vínculo de confiança com o terapeuta”, explica.


O Setembro Amarelo não se resume a uma campanha pontual, mas a um convite à empatia, ao diálogo e ao cuidado permanente. Como reforça a professora Alisséia Lemes, os números deixam claro que a universidade e a sociedade precisam caminhar juntas para transformar realidades: “O suicídio afeta todas as classes sociais e não escolhe quem vai ou não. Por isso, a prevenção precisa ser coletiva e constante.”



Ilustração: Estenio Mota


 

Onde buscar apoio

 

Para quem busca ajuda, a psicóloga lembra que a instituição de ensino também oferece suporte. “Os estudantes podem solicitar acompanhamento via SEI (Sistema Eletrônico de Informação), em um trabalho de acolhimento que encaminha os casos para os setores competentes, como o CAPS. Há também manuais de orientação divulgados periodicamente. Já em situações graves, como durante uma tentativa, é preciso acionar os bombeiros e outras autoridades competentes”, reforça.


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Se você ou alguém que você conhece precisa de ajuda, procure apoio profissional. O CVV (Centro de Valorização da Vida) oferece atendimento gratuito e sigiloso 24 horas por dia, pelo telefone 188 ou pelo site www.cvv.org.br.