Entrevista – Educação vem sofrendo fortes impactos com IA, exigindo novos métodos na formação universitária, diz professor
Tecnologia
Francisco Lucidio
A inteligência artificial é uma tecnologia de propósito geral que molda a sociedade e tem impacto em diversos setores, sendo um deles a educação. Saber utilizar a IA hoje, "seja um professor ou um aluno, como uma ferramenta de aprendizado e não como uma maneira de facilitar o trabalho, sem um esforço cognitivo, é extremamente importante,” avalia o professor Robson da Silva da Universidade Federal de Mato Grosso, Campus Araguaia (UFMT/CUA), em entrevista concedida à Agência Focaia.
No início deste mês o Silva realizou palestra volta para estudantes de graduação na UFMT Araguaia, unidade de Barra do Garças, tratando o tema: “conversa sobre as contribuições da IA para a educação.” Na oportunidade apresentou tópicos introdutórios sobre a IA, trouxe análises sobre a história e enfoques do seu desenvolvimento nos últimos dez anos, cujas tecnologias possibilitaram a criação de ferramentas como o famoso chat GPT e tantas outras criadas em diversos países.
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Participantes de palestra sobre as novas tecnologias, ao lado do prof. Robson da Silva, realizada na UFMT Araguaia, que analisou a temática: “conversa sobre as contribuições
da IA para a educação.” |
Como destaca o professor, “assim
como outras tecnologias, que surgiram no decorrer da evolução da sociedade,
computação, eletricidade, vapor, carvão, ela impacta substancialmente a
sociedade, e já vem impactando há um certo tempo”. A seguir a entrevista.
Em
média quantas pessoas participaram da palestra?
Nas
últimas duas semanas, eu estive conversando com as turmas do PIBID, de Letras,
com o pessoal do curso de farmácia, fui convidado pela LACIFAR, que é a liga
acadêmica do pessoal da farmácia, e a farmácia foi em torno de 90 pessoas, e do
PIBID, eu acredito que deveria ter umas 40, 50 pessoas. O pessoal tem se
interessado bastante por conhecer um pouco sobre essa tão falada inteligência
artificial.
Quais
questões sobre IA foram levantadas?
Como é
uma primeira fala mais introdutora, sempre a gente traz um pouco da definição
do que é inteligência artificial, depois falamos um pouco do histórico para
mostrar que ela é uma área de conhecimento que nasceu ali na década de 50, e
que as pesquisas já vêm acontecendo desde então, de como tentar fazer essas
máquinas pensarem. Aí a gente dá um enfoque maior no que tem acontecido nos
últimos, vamos dizer assim, oito, dez anos, com o desenvolvimento de algumas
tecnologias que proporcionaram surgir o que nós temos hoje, como o chat GPT.
Então, a gente trata desse histórico e depois focamos no como que isso pode ser
aplicado na educação.
Qual a
importância da discussão sobre IA na educação?
Como
eu sempre falo nas palestras, têm-se colocado que a inteligência artificial hoje
é uma tecnologia de propósito geral, que ela muda a forma que uma sociedade
age, ela impacta diretamente em diversos setores da sociedade e uma delas é a
educação. Então como a tecnologia que está aí que impacta em todas as áreas,
ela também impacta na educação, porque a educação é impactada pela sociedade.
Então saber utilizar a IA hoje, tanto na parte do ensino, ou seja, pelo
professor, saber que os alunos estão utilizando, saber como utilizar a
ferramenta, e, também, ensinar os alunos a como utilizar essa ferramenta, como
uma ferramenta de aprendizado - não como uma maneira de facilitar o
desenvolvimento de trabalho sem que tenha um esforço cognitivo - é extremamente
importante. Na China, já estão alguns estados dos Estados Unidos, até aqui no
Brasil, o exemplo do que tem acontecido no estado do Piauí, eles têm
desenvolvido políticas de implantação de formação de professores para conhecer
a inteligência oficial, para também ensinar os alunos, no ensino médio. No caso
do Piauí, como conhecer a ferramenta, conhecer essa tecnologia e como utilizada
na educação.
Como o
senhor avalia a inteligência artificial? Há muito impacto com riscos para a
sociedade?
Como
eu havia dito que ela é uma tecnologia de propósito geral, assim como outras
tecnologias que surgiram no decorrer da evolução da sociedade, computação,
eletricidade, vapor, carvão, ela impacta substancialmente a sociedade e já vem
impactando há um certo tempo. Você pega as redes sociais, as redes sociais que
nós temos, então tem muita inteligência oficial por trás, [o que] tem mudado
até o comportamento dos jovens, por exemplo. Os jovens estão acostumados com
essas novas tecnologias, a ver vídeos curtos de um minuto, dois minutos, então
já tira a atenção deles, vídeos mais longos. Então, isso é um impacto, assim
como qualquer outra tecnologia. Ela tem seus impactos positivos, mas também
pode ser utilizada para as coisas maléficas. Então não é a tecnologia, mas a
forma como as pessoas a utilizam.
Como
estamos no ambiente universitário, quais os reflexos da IA na educação?
No
final do ano passado, nós fizemos uma pesquisa com universitários aqui do Vale do
Araguaia, tanto da UFMT quanto de faculdades particulares, para saber se eles
têm utilizado alguma inteligência artificial. Os estudantes têm, sim, utilizado
essas ferramentas, por volta de 92% já tinham utilizado por curiosidade ou
lazer, e 83% para trabalhos acadêmicos. Isso no final do ano passado, porém,
dentro desse trabalho nosso, acabou que nós pecamos de não entrevistar os
professores, para saber como que estava a inserção e a utilização dessa
tecnologia, das IAs generativas pelos professores. De certa maneira, podemos
demorar um pouco a perceber que os alunos estão utilizando, e, que utilizar
dessas ferramentas requer de nós, docentes, uma visão, mudar a forma como nós
trabalhamos no nosso dia a dia, nosso processo de ensino-aprendizagem. Então,
tem impactado. Tem trazido reflexos significativos na maneira como os alunos
aprendem e na maneira como nós temos que pensar as nossas atividades de ensino.
Dar um trabalho de texto, mandar para o aluno fazer um resumo, trazer na
próxima aula, não dá mais, porque você pega o texto, joga no Chat GPT, ele faz
o resumo para você. Então é repensar a nossa estratégia enquanto professor.
Com a
IA, quais alterações que as novas tecnologias, de fato, provocam nos estudantes
e professores no campo científico?
Assim
como outras ferramentas como a calculadora, o próprio computador, que nos
permitiu pensar além, destinar tempo para aquilo que realmente requer esforço
cognitivo, pensar o problema, pensar na criatividade, acho que a ferramentas de
IA vem nesse sentido e podem proporcionar grandes avanços. Por exemplo, hoje o
número de publicações acadêmicas, científicas, várias áreas, por exemplo a
própria área de IA é de milhares de artigos por mês. Então, estar atento a
todas essas publicações é, muitas vezes, humanamente difícil. Não vou falar
impossível, mas acaba sendo bem trabalhoso. Então você pode utilizar essas
ferramentas para fazer um filtro para você, assim como a gente utiliza a IA
para fazer filtro em diversas outras coisas, como para identificar alvos de
produção de mono-diagnósticos de vacina. Então, na produção acadêmica, também
pode servir como uma ferramenta para ajudar a gente a melhorar, procurar
artigos, fazer resumos, dar aquele primeiro filtro, para que a gente possa
encontrar trabalhos interessantes.
Tendo
em vista que as IAs não são plenamente confiáveis em suas respostas e soluções
nas pesquisas, como analisa a supervisão do seu uso?
Com
relação à regulação, eu tenho um pouco ainda para falar, nem muito pouco, eu
acho que tudo você tem que ter alguma maneira de você regular, ainda mais
ferramentas que têm um impacto tão grande hoje na sociedade. E você não pode
deixar que algumas empresas se sintam supranacionais, a ponto de não se
sentirem reguladas ou limitadas por leis de países. Então, de certo ponto, eu
entendo que essas empresas têm, sim, de ter uma regulamentação.
Possível
afirmar que há perda de pensamento crítico e qualidade nas tomadas de decisões
sociais, pelo fato de a população criar dependência por essa tecnologia?
Tem um trabalho do pessoal da MIT [Massachusetts Institute of Technology] agora recente, ainda tá precisando de avaliação dos pares, estudinho, mas [ainda assim] é um trabalho muito extenso, que eles fizeram uma avaliação de pessoas que utilizaram IAs generativas para gerar texto, pessoas que, eles passaram um problema, né, que era escrever um texto, dividiu as pessoas em três grupos. Grupo que podia fazer o texto utilizando o chat GPT, um segundo grupo que podia fazer o texto realizando pesquisas no Google, só no Google, ou na internet, sem usar a IA generativa, e um terceiro grupo que devia escrever o texto apenas com a informação da própria cabeça. Então, pediram aos três grupos, realizarem o primeiro texto, fizeram, repetiram, mesmo grupo, mesma ferramenta, segundo grupo, segunda tarefa, escrever outro texto. Aí, no terceiro texto, o que eles fizeram? Pegaram o grupo que tinha chat GPT, e pediram para eles fazerem manualmente, só usando a cabeça. Falar do que eles já tinham escrito nos textos anteriores. O grupo com o Google, mesma coisa, escrever sobre os textos que eles tinham feito anteriormente. Eles perceberam que o grupo que usou o chat GPT na primeira vez e o que utilizou o google, não lembrou de nada que tinha escrito. Já o grupo que fez de cabeça, sim. Eles também utilizaram o eletroencefalograma enquanto as pessoas escreviam o texto, para verificar as movimentações das funções cognitivas do cérebro. As partes do cérebro que estavam em alta demanda, que estava, eu não sei - eu não sou muito bem neurocientista - mas que estavam desenvolvendo, as partes do cérebro que estavam mais ativas e inativas, e eles perceberam que as pessoas que utilizaram, que escreveram os textos manualmente excitaram partes do cérebro, que eram mais focadas com a criatividade, desenvolvimento cognitivo. Enquanto as pessoas que utilizaram só o chat GPT não tiveram esse desenvolvimento, o cérebro , vamos dizer assim, não teve tanto esforço.
