Entrevista - Eleição presidencial na Venezuela continua sem vencedor, em disputa internacional que envolve a política brasileira
América Latina
Thamires Coelho
As eleições presidenciais de
2024, realizada na Venezuela, no dia 28 de julho passado, foram marcadas por controvérsia
e instabilidade política na região, com manifestação de nações do centro do poder
econômico mundial, como Estados Unidos e Espanha. No final, até o momento não
há reconhecimento internacional sobre quem é de fato o ganhador, que ficará à
frente do país a partir de janeiro do próximo ano.
Realizadas as eleições, em meio a disputa acirrada entre governo e oposição radicalizados, após o fechamento das urnas ambos os candidatos, que chegaram em primeiro e segundo lugar, defendem a vitória, com maioria de votos. Nicolás Maduro, o atual presidente tem o reconhecimento da justiça eleitoral como o ganhador, mas há contestação de nações internacionais, que formaram grupos para avaliar o resultado. Como há divisão entre apoiadores internacionais, há uma parte que defende a vitória da oposição, liderada por Maria Corina, que tem como presidenciável Edmundo González Urrutia.
Ao longo deste período, o ambiente no país latino-americano ficou marcado por acusações de manipulação eleitoral, repressão a opositores e falta de transparência do pleito, conduzido pela justiça eleitoral, denunciada por estar sob o poder do governo chavista.
Nicolás Maduro está no poder desde 2013, quando assume o governo após a morte de
Hugo Chávez. De lá para cá, as disputas internas são duras, apesar das eleições
realizadas em períodos regulares, mas sempre questionadas pela oposição quanto à transparência e imposição
governista. Venezuela, que apesar de
possuir reserva de petróleo, considerada a maior do mundo, convive com alto
nível de pobreza e amplas sanções dos Estados Unidos, uma espécie de arqui-inimigo
histórico do chavismo, liderado por Maduro.
De acordo do professor de
Jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso, Edson Luiz Spenthof, Nicolás Maduro realmente
manipulou o resultado e de fato perdeu as eleições, “e está no poder porque o
populismo que pratica o fez tomar conta das instituições, se tornou aos poucos
um governante autocrata, ditatorial, e é só isso que o mantém no poder ainda”.
Spenthof concedeu à reportagem da Agência entrevista, a seguir, e destaque pontos controversos das eleições venezuelanos, relacionando reflexos com a política internacional, sugerindo que as disputas no país latino-americano podem, inclusive trazer consequência para a política brasileira. O presidente Lula da Silva que historicamente mantém boas relações com o chavismo, vem tentando mediar uma solução para do impasse das eleições venezuelanas.
O chavista Nicolás Maduro e oposição mesmo depois de fechadas as urnas das eleições
presidenciais, disputam a legitimidade dos votos para assumir o cargo de presidente do país,
que até o momento gera disputas envolvendo potências internacionais, inclusive no Brasil -
imagem instituto IELA/Reprodução.
As disputas política na
América Latina vem se tornando muito acirradas, como o que ocorre na Venezuela,
com duas linhas de poder muito definidas, entre esquerda e direita. Como avalia
o cenário político regional? há um crescimento da extrema-direita neste momento
com impacto nos países latino-americanos?
Há um crescimento da extrema
direita (ultraconservadorismo) em todo o mundo e não é diferente aqui na
América Latina. O último símbolo é a eleição de Javier Milei na Argentina. Mas,
por outro lado, ela também sofre revezes, como ocorreu recentemente no Brasil,
em que Lula derrotou Bolsonaro. Embora talvez não fossem tão extremas, as
direitas do Chile e da Colômbia também foram derrotadas na última eleição pela
esquerda. E na Bolívia a esquerda se mantém no poder, apesar de todas as
tentativas de Golpe, como aqui. Um caso preocupante, neste momento, é o do
Equador, em que o presidente se transformou num líder da extrema direita com
avanços graves sobre os direitos civis dos equatorianos. Temos lá hoje um grave
estado policial de matiz tipicamente oriundo da ideologia da extrema direita. Mas,
ao menos aqui na América Latina, o cenário tem sido o de alternância no poder,
o que só acontece porque os derrotados seguem firmes na arena política. Aqui,
no Brasil, ela segue muito e perigosamente forte, com Bolsonaro como referência.
Na Venezuela, especificamente,
o modelo de esquerda do chavismo vem perdendo espaço internamente, isso pode
ser considerado um impacto do avanço das comunicações digitais, com narrativas
voltadas para as lógicas à direita?
O chavismo é um populismo de
esquerda. Aqui no Brasil tivemos um populismo de extrema direita, com
Bolsonaro. E todo o populismo é perigoso porque os seus líderes são
individualistas e afirmam que não precisam das instituições (Legislativo,
Judiciário, mídia jornalística profissional, e outras). Dizem que conversam
diretamente com o povo. E agora têm nas mãos ferramentas que o populismo de
outrora não tinha: as mídias sociais. Então, quando você diz que conversa
diretamente com o povo, assim que considerar que as instituições estão bloqueando
o seu projeto individualista de poder, você está pronto para um golpe de
Estado. Nos dias atuais ele ocorre mais por dentro das regras (dentro das
quatro linhas, como gostava de afirmar Bolsonaro), ou de uma interpretação
personalizada das regras (como a de que Exército seria, no Brasil, o poder
moderador), com o apoio de consideráveis camadas populares, das quais o líder
mantém uma fidelidade canina, mesmo que ignorante. O populismo de esquerda
talvez seja menos percebido como tal porque, enquanto conseguir se manter no
poder sem ser muito molestado, vai fazendo um governo que agrada às massas
populares. Mas, quando começa a perder poder, não hesita em usar do
autoritarismo. A escalada de autoritarismo na Venezuela é visível. Chaves, que
tentou um golpe, percebeu que teria de chegar ao poder pela via eleitoral, e
foi um governo com características de esquerda bastante claras, embora
populistas também, e razoavelmente democrático. Por isso mesmo, sofreu um golpe
de estado pela mesma direita que agora fala em democracia, apesar de
legitimamente eleito. Mas a perda de espaço do chavismo também se deve à crise
econômica, da qual Maduro é em parte responsável. A outra parte da
responsabilidade é da extrema direita do País, sempre aliada aos interesses dos
Estados Unidos e não do povo venezuelano. A pobreza do povo venezuelano não é
um fenômeno produzido pelo chavismo (com Chaves ou com Maduro). Chaves se
elegeu facilmente porque o povo já não aguentava mais a pobreza de então, produzida
pela direita e pela eterna interferência dos Estados Unidos, apesar do Petróleo
que produz.
A Venezuela vive com sanções
dos Estados Unidos há muitos anos, por desrespeitar a democracia, como alega os
opositores. O peso da política americana sobre o chavismo criou um ambiente que
pode levar à perda de apoio popular no país ao modelo, ou ocorre exatamente o
contrário?
O peso das sanções econômicas
é forte e provoca desgastes ao modelo. A confiança no governo vai minando, ou
porque a população vai acreditando crescentemente na narrativa de incompetência
do governo para resolver questões básicas de economia ou porque fica em dúvida
e tenta apostar numa mudança. E as sanções dos Estados Unidos, em qualquer
parte do mundo, quase nunca são impostas porque o país-alvo está com déficit
de democracia, embora a ladainha seja sempre essa. O que, desde sempre,
move a incursão intervencionista estadunidense pelo mundo são os interesses
econômicos de sua elite, associada à elite econômica do país que sofre e
intervenção nas suas questões internas. Só uma pequena parcela dos chavistas
tem no embargo econômico um motivo a mais para se manter fiel a Maduro. Como eu
disse antes, há um momento em que, mesmo querendo permanecer fiel, parte da
população é vencida pelo cansaço e aposta na mudança.
Nas últimas eleições, Nicolas
Maduro assim como o opositor Edmundo González Urrutia – apoiado pela liderança
da conservadora Maria Corina - dizem ter
mais votos. Afinal, como avalia este cenário?
Pra mim está claro que Maduro
perdeu as eleições. Ele não apresentaria as tais atas eleitorais se pudesse
comprovar que ganhou? E está no poder porque o populismo que pratica o fez
tomar conta das instituições, como o Judiciário (inclusive a Justiça Eleitoral)
e o Legislativo, sempre, supostamente, em nome do povo e da democracia. Ou
seja, se tornou aos poucos um governante autocrata, ditatorial, e é só isso que
o mantém no poder ainda. Por outro lado, falta adesão popular às lideranças da
extrema direita. Tivessem apoio massivo, já teriam deposto Maduro.
Como avalia a reação de países da América Latina e nações
da Europa e Estados Unidos na defesa de que, nas eleições venezuelanas, houve
manipulação de Nicolas Madura antes e depois, com alteração dos resultados das urnas?
A condenação de manipulação,
ou, ao menos, como fez o governo brasileiro, de não reconhecer a eleição de
Maduro enquanto não houver provas, é necessária para a saúde do jogo
democrático internacional. Veja que a condenação à postura de Maduro vem também
de governos de esquerda, como Chile e Colômbia.
As disputas entre chavismo e
oposição conservadora pela presidência do país ainda indefinida, o resultado
neste processo eleitoral poderá trazer alguma consequência para a política
regional, especialmente o Brasil?
Sempre traz consequências,
porque o Brasil, por exemplo, era uma das saídas da Venezuela para fazer frente
ao embargo econômico, embora Rússia a China sejam protagonistas nesse sentido.
E o não reconhecimento da anunciada vitória de Maduro estremece as relações
entre os dois países e governantes. Mas, embora o Brasil dependa pontualmente
de acordos com a Venezuela, é este quem mais perde. Mas, ao mesmo tempo, o
governo brasileiro ainda vem tentando adotar uma via mais pragmática, de
manutenção de acordos. Até porque Lula sempre foi avesso a embargos. Sempre os
condenou, por ter clareza de que eles costumam se arrastar e quem perde, no
fundo, é o povo e não o governante. O que Lula tenta fazer é manter o
protagonismo na arena política latino-americana e evitar que se crie um ponto
de não retorno à democracia na Venezuela.
Brasil, Colômbia e México
iniciaram conversações no sentido de buscar solução para o impasse nas eleições
venezuelanas. Os mexicanos preferiram deixar a questão para ser resolvida
internamente, mas Lula e Gustavo Petro continuam o diálogo com Nicolás Maduro
na busca de solução. O presidente Lula se mostra empenhado, com destaque nas
mídias. O brasileiro poderá ter êxito nesta batalha?
Justamente por condenar o
resultado, sobre a população, das sanções dos Estados Unidos, aliados da elite
da extrema direita da Venezuela, a aliança com o governo de Maduro interessava,
na geopolítica regional, ao governo Lula. Não penso que o governo Lula
acreditasse de fato que, quando assumiu no Brasil, havia na Venezuela plena
democracia ou que se tratava de governo genuinamente de esquerda. Mas ainda era
possível ser pragmático, na avaliação do governo Lula, tentando manter essa
aliança, sobre, talvez, um verniz de esquerda na Venezuela. Mas, agora, Maduro
“pulou o corgim”, como se diz aqui n Centro-Oeste. É impossível se manter
passivo diante do que fica cada dia mais evidente como uma fraude eleitoral. E
Lula sabe o que virá aqui no Brasil se não defender a democracia. Ele foi
vítima por anos e, no dia 8 de janeiro de 2023, quase perdeu o poder,
justamente por quem não quis largar o poder, Bolsonaro, tanto quanto Maduro, a
quem o golpista autoritário Bolsonaro chama de golpista e autoritário. Talvez o
governo Lula não tenha êxito, porque Maduro não parece disposto a sair de cena,
e as coisas continuem em banho-maria. Até quando, não se sabe.
O Partido dos Trabalhadores
tem aproximação com o chavismo, a perda do mandato de Maduro poderá causar
impacto no Brasil, sobre o PT, com algum reflexo para o presidente Lula?
O PT, que é um dos maiores
patrimônios políticos brasileiros, errou em se apressar a chancelar a eleição
de Maduro. Democracia não se negocia! Parece não ter avaliado bem o que o
partido e seu governo sofreram recentemente. O questionamento, aqui, das urnas
eletrônicas, o golpe contra Dilma, a prisão sem provas de Lula, a tentativa de
cassação do próprio partido, como se uma ideologia pudesse ser cassada... Se aqui as instituições estivessem nas mãos
do nosso ditador de estimação, o Bolsonaro, estaríamos vivendo a mesma coisa
que na Venezuela. O PT é muito maior que isso e a sua entrada na arena política
brasileira arejou muito a nossa democracia. Não se resolve o problema dos
embargos e da aliança política da elite venezuelana com os Estados Unidos com
déficit democrático. Cedo ou tarde, isso arrebenta, e sobra para quem apoiou
regimes autoritários.