Guerra entre Israel e Hamas no Oriente Médio, envolvendo potências mundiais, não terá solução rápida, diz professor

Mundo

Laís Soares


O Grupo extremista Hamas da Faixa de Gaza, no último dia 7, bombardeou Israel em um movimento surpresa, que é considerado um dos maiores ataques sofridos pelo país nas últimas décadas. Em sequência surge a guerra que dura mais de 12 dias, cujo início ocorre no sul de Israel com diversos foguetes lançados pelo grupo extremista, de resistência Islâmica. Como os números são atualizados rapidamente é difícil precisar a quantidade de mortes, mas que deverá chegar aos milhares.


No mesmo dia do ataque, o ultraconservador, primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, afirmou estar em estado de guerra. Rapidamente, para o mundo destacou que “o nosso inimigo pagará um preço que nunca conheceu.” A preocupação se espalhou pelos meios de comunicação por ser uma das regiões de conflito políticos e religiosos, com envolvimento de interesses da política internacional.


Como personagens principais da guerra estão o governo de Israel, reconhecido poder bélico na região e o grupo Hamas, que se intitula como Movimento de Resistência Islâmica, com domínio da Faixa de Gaza, território que abriga cerca de 2,4 milhões de pessoas, em grande parte de palestinos refugiados de guerras regionais, envolvendo a nação comandada por Netanyahu.


Nesta quarta (18), outro grupo de oposição a Israel, o Hezbollah, do Líbano, que recebe apoio do Irã, assim como Hamas, atacou vários postos do exército Israelense na fronteira entre os países (norte de Israel).




Bandeiras das duas nações, israelense e palestina - imagem Flickr



Para analisar o assunto que é o principal acontecimento em debate no mundo neste momento, a Agência de Jornalismo Focaia realiza entrevista com Cândido Rodrigues, professor de História da Universidade Federal de Mato Grosso, Campus Cuiabá, o qual realiza pesquisa sobre os conflitos no Oriente Médio.


Rodrigues avalia que esta não é uma guerra que começa hoje e dificilmente terá um fim a curto prazo, isto porque há implicações diversas que envolvem grandes potências em lados opostos entre Israel e o Hamas, bem como a participação de outros grupos palestinos da região.


Qual a diferença entre a Palestina e o Hamas? 


Hoje a Palestina constitui-se por uma definição política e geográfica onde, segundo a ONU (desde 1948), deveria existir um Estado Palestino. Compreende a Cisjordânia, a Faixa de Gaza e reivindica parte de Jerusalém. É governada pela Autoridade Nacional Palestina, vinculada ao FATAH (Movimento de Libertação Nacional da Palestina). O Fatah é a favor da criação de dois Estados: Palestina e Israel. É também a favor do que se convencionou chamar de “fronteiras de 1967”, ou seja, um Estado Palestino compreendendo a Cisjordânia (com Jerusalém) e a Faixa de Gaza. O Movimento de Resistência Islâmica (HAMAS - hoje governa a Faixa de Gaza), criado em 1987, rejeita a lógica dos dois Estados e prega um Estado palestino em toda aquela região, retomando a configuração anterior à criação do Estado de Israel. Ou seja, o Hamas, à semelhança de muitos grupos e países do oriente médio, não reconhece Israel como Estado pois o vê como invasor das terras palestinas. Por sua vez, o governo de Israel considera atualmente o Hamas um grupo terrorista – embora tenha negociado com ele durante décadas. É bom também lembrar que, do lado palestino, há sérias divergências entre o Fatah e o Hamas – o que dificulta a união política.

 

Ao longo dos anos, desde a Partilha da ONU e com diversas guerras ocorridas, muitas pessoas dizem que Israel tomou parte do território da Palestina. Isso é verdade?


Sim, isso é verdade. Segundo a Organização das Nações Unidas, Israel é um Estado invasor. Como já mencionado, quando a região da grande palestina foi dividida, em 1948, foi criado jurídica e politicamente o Estado de Israel e o Estado Palestino. Na sequência, e ao longo de décadas, foram travadas inúmeras guerras regionais em razão dessa “partilha”, às quais resultaram em anexações, por parte de Israel, de contingentes expressivos do território palestino e de outras nações. Podemos mencionar, por exemplo, guerra entre Israel e Egito, em 1956 (Canal de Suez); a guerra entre Israel e Egito, em 1967 (Guerra dos Seis Dias); a guerra envolvendo o Egito e a Síria contra Israel em 1973 (Guerra do Yom Kyppur). Devemos também mencionar que, ao longo dos últimos cinquenta anos, a região foi palco de inúmeros conflitos entre o Estado de Israel e a Autoridade Nacional Palestina ou o Hamas, todos eles resultando na morte de dezenas de milhares de pessoas inocentes de ambos os lados. Ao longo de todo período mencionado, o Estado de Israel foi avançando sobre as fronteiras palestinas, sobre os seus territórios, e anexando-os como se fossem seus. Nas últimas décadas, Israel tem adotado uma política de invadir territórios palestinos e de neles construir o que denomina de “assentamentos para colonos”. E faz isso à luz do dia, mesmo sob condenação da ONU e da comunidade internacional. Ao longo de todo o processo mencionado, pode-se afirmar que a região delimitada pela ONU como sendo o Estado Palestino sofreu redução geográfica de, aproximadamente, 80% - tendo tais terras restado ilegalmente nas mãos de Israel (e com apoio incondicional dos Estados Unidos). O mapa abaixo demonstra claramente os dados mencionados.



Fonte:https://www.monde-diplomatique.fr/cartes/morcellement 


Qual era o objetivo do Hamas ao atacar Israel no 07 de outubro?


Pelas informações que temos por meio da imprensa e de especialistas na temática do Oriente Médio, o ataque foi feito por, pelo menos, duas razões: a primeira delas é histórica e tem relação com a invasão que Israel vem fazendo nas terras palestinas ao longo das décadas; o segundo ponto tem relação com as negociações diplomáticas que o governo de Israel vinha fazendo com a Arábia Saudita, na tentativa de se reaproximar desse país. 


O conflito acontece entre Israel e Hamas, um grupo extremista que administra a Faixa de Gaza. Qual a importância desse território (Faixa de Gaza) para a região? 


Em primeiro lugar cabe dizer que o Hamas é considerado um grupo terrorista pelo Estado de Israel e por muitos países que o apoiam. Entretanto, também para muitos países que apoiam os palestinos, o Hamas é considerado um grupo de libertação nacional que defende uma causa justa em favor de um Estado Palestino. É bem verdade que a ação empregada pelo Hamas, no caso em questão, teve inquestionavelmente caráter terrorista pois visou praticar violência de forma indiscriminada contra civis. Podemos dizer também que Israel pratica terrorismo de Estado quando lança ataques aéreos ou terrestres, indiscriminados, sobre a população civil de Gaza. Em resumo, Gaza é importante para os palestinos pois é parte do Estado deles, é propriedade deles, tem relação com a existência deles. Já para Israel, dominar ou anexar Gaza, significaria manter o controle total da parte Sul daquela região, incluindo terra, ar e mar.


O Irã, como observamos nas informações presentes na mídia, é o principal financiador do Hamas. Você acredita que esse ataque tenha sido planejado por outros países (ou grupos terroristas que compactuam com o Hamas) em conjunto com o Hamas? 


Há mais países que contribuem militarmente e financeiramente com o Hamas, por exemplo o Irã e o Catar. Da mesma forma que há países que fazem o mesmo por Israel, por exemplo os Estados Unidos. 


Esse conflito pode interessar outros países da região? Se sim, por quê? 


Sim, é um risco elevado, sobretudo pelo vínculo histórico com a causa palestina e por questões religiosas. Países como Síria, Egito, Jordânia, Irã e a própria Arábia Saudita. Mas prefiro acreditar que a ONU conseguirá mediar o conflito rumo à paz na região. 


Partindo para o Brasil, observamos que o governo federal não classifica o Hamas como um grupo terrorista, por quê?

 

Como já dito, há muitos países que classificam o Hamas como um grupo de libertação nacional em defesa da causa palestina, que também atua como grupo político e assistência social etc. No caso do Brasil, me parece que a posição atual se deve mais a uma estratégia política de buscar diálogo para resgatar brasileiros que estão em Gaza e também de tentar mediar o fim do conflito. 


Quarta-feira (18), os Estados Unidos vetaram a resolução do Brasil no Conselho de Segurança da ONU, que pedia o cessar-fogo na guerra. Foram 12 votos a favor, duas abstenções (Rússia e Reino Unido) e um voto contra (EUA). Qual é a importância dos Estados Unidos nesse conflito e por que o poder do país é tão grande para vetar a resolução que teve mais votos a favor? 


Os EUA ainda possuem importância geopolítica em qualquer conflito do mundo, embora não mais como há 20 anos. A China, a Rússia e o Brasil têm ocupado nos espaços de governança mundial. O veto dos Estados Unidos se deu pelos laços históricos que esse país tem com Israel, incluindo militares, na região do Oriente Médio, mas também por considerar o Hamas um grupo terrorista e por não aceitar a existência de um Estado Palestino. Há outros fatores atinentes à política interna dos EUA.


Por fim, existe uma solução para o fim do conflito entre israelenses e palestinos?

 

Sim, com certeza, e já foi dado pela ONU em 1948. É a solução dos dois Estados: o israelense e o palestino. Basta vontade política da ONU e dos seus integrantes para que tal caminho seja adotado, com Israel tendo direito ao seu Estado e à proteção do seu povo e a Palestina a mesma coisa. Mas acho difícil uma solução a curto ou médio prazo, visto que para a adoção de tal caminho seria preciso primeiramente um acordo entre as grandes potências mundiais (o que parece estar longe de acontecer) e que Israel abandonasse as terras palestinas por eles invadidas gradualmente nos últimos 60 anos. Demandaria também que o Hamas e outros grupos palestinos aceitassem a soberania israelense sobre o território delimitado pela ONU em 1948.