Mato Grosso registra 125 ocorrências de LGBTfobia em um único mês, no 1º semestre do ano

Diversidade de gênero

Luiguy Kennedy

No Brasil a comunidade LGBTQIAP+ sofreu, no ano passado, cerca de 300 mortes violentas e em torno de 47% das pessoas assassinadas tinham entre 20 e 39 anos. Cerca de 8% a mais do que o ano anterior, de acordo com Relatório de Mortes Violentas de LGBT+, produzido pelo Grupo Gay da Bahia, uma organização não governamental voltada para os direitos dos homossexuais no país. Os dados são coletados a partir de notícias publicadas nos veículos de comunicação brasileiros.

Em Mato Grosso as ocorrências de crimes de LGBTfobia são cada vez maiores. No mês de maio deste ano foram registradas 125 ocorrências de acordo com a Secretaria de Estado de Segurança Pública (SESP). Em um único mês foram mais de 50% de ocorrências policiais de violência contra a comunidade, levando em consideração as abordagens realizadas no ano passado. Em todos os meses de 2021 foram identificadas 209 boletins de ocorrências, de acordo com Grupo Estadual de Combate aos Crimes de Homofobia (GECCH/SESP).

Na capital do estado está programada para o dia 27 a 19ª Parada do Orgulho LGBTQIA+ na Praça 8 de abril a partir das 15 horas. que tem como tema “Pelo Direitos de Existir, vote com orgulho.” A última edição do evento foi realizada em em dezembro do ano passado, com a participação de cerca de sete mil pessoas.

O Brasil é pelo quarto ano consecutivo o que mais mata LGBTQIAP+ no mundo, segundo relatório produzido pelo Observatório de Mortes e Violências contra LGBTI+, que é uma instância da sociedade civil autônoma, que tem parceria com a Acontece LGBTI+, ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) e ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos).

 

Edição da Parada do Orgulho LGBTQIA+ de Mato Grosso realizada em 2021. Para este an o evento está programado para o dia 27 em Cuiabá. Imagem - reprodução G1


Em todo mundo, no mês de junho é conhecido como o “mês do Orgulho LGBTQIAP+” numa referência a 28 de junho de 1969, quando a comunidade era alvo da violência policial nos Estados Unidos. A data marca o enfrentamento aos policiais que neste dia promoviam abordagem de forma violenta, no Bar Stonewall In, em Greenwich Village.

Como forma de diminuir os crimes de LGBTFobia, “ o primeiro passo é o monitoramento estatal, ou seja, o Estado precisa identificar e estudar a violência e a criminalidade cometida contra LGBTQIAP+, isto implica em reconhecer a importância dos dados para a formulação de políticas púbicas e, de igual modo precisa e, com urgência, fazer o enfrentamento dos marcadores do patriarcado, ainda tão fortes em nossa sociedade, a ponto de impor à mulher e aos LGBTQIAP+ um não lugar, no campo da cidadania.” 

A afirmação é do professor José Marcelo Domingos de Oliveira, professor universitário, doutor em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), bacharel em Direito e voluntário do Grupo Gay da Bahia, que concede entrevista a Agência Focaia sobre o tema.

A comunidade LGBTQIAP+ fica em evidência no mês de junho. Como se deu o surgimento do mês do Orgulho?

Em 28 de junho de 1969, os gays se rebelaram contra as batidas constantes da Polícia de Nova Iorque ao Bar Stonewall In, na tentativa de intimidar os frequentadores, mas a ousadia iria liderar dali em diante um levante por cidadania da população LGBTQIAP+. Ousadia que nutre até hoje a lembrança e o sentimento de pertencimento a uma orientação sexual ainda em luta por seus direitos, evidentemente há outras datas também importantes, a exemplo de 17 de maio, voltado a luta contra a homofobia, uma vez que rememora a retirada da homossexualidade do Código Internacional de Doenças (CID-OMS).

O Grupo Gay da Bahia todo ano produz o relatório de mortes violentas contra a comunidade LGBT. No último ano foram 300 mortes. Quais as políticas públicas que seriam necessárias para diminuição de crimes contra a comunidade LGBT?

O primeiro passo é o monitoramento estatal, ou seja, o Estado precisa identificar e estudar a violência e a criminalidade cometida contra LGBTQIAP+. Isto implica em reconhecer a importância dos dados para a formulação de políticas púbicas e, de igual modo precisa e, com urgência, fazer o enfrentamento dos marcadores do patriarcado ainda tão fortes em nossa sociedade, a ponto de impor a mulher e aos LGBTQIAP+ um não lugar, no campo da cidadania. Uma vez efetuado estes investimentos, faz-se necessário, também, investimentos em ações de combate as vulnerabilidades sociais, pois a violência, por exemplo, não tem uma causa única e, muitas vítimas poderiam estar vivas se o Estado tivesse políticas efetivas voltadas à profissionalização, habitação, geração de trabalho e renda, enfim. A cidadania não rima apenas com combate a homofobia, especialmente quando se observa as vítimas ligadas ao tráfico.

No relatório produzido pelo GGB (Grupo Gay da Bahia), destaca-se a dificuldade de acesso aos dados das mortes e a não divulgação da imprensa. Como reverter esse quadro?

A imprensa é uma parceira da cidadania LGBTQIAP+, apesar de ter havido mais no passado reportagens sensacionalistas ou mesmo depreciativas em relação a segmentos desta população, o fato é que há nítida inversão, quando se observa reportagens mais elaboradas, com dados mais condizentes com a realidade, as pessoas sendo ouvidas e protagonistas da matéria. Entretanto, a discussão levantada pelo GGB diz respeito ao fato de as reportagens alusivas as mortes violentas, especialmente de LGBT+, uma vez não tendo observado a presença de intersexo e as demais orientações sexuais ou identidade de gênero. A reclamação é quanto a ausência de uma série de dados, por exemplo, nome completo, idade, ocupação, cor, escolaridade, enfim, dados importantes para futuras pesquisas e composição de um quadro aproximativo acerca das vítimas e agressores. Além disso, é raro o episódio com mais de uma reportagem, com isso, a pesquisa do GGB fica prejudicada, uma vez que utiliza justamente das notas jornalísticas para compor o seu banco de dados sobre mortes violentas de LGBT+ no Brasil.

Qual a sua análise a realidade da Comunidade LGBTQIAP+ no período do governo Bolsonaro que realiza governo de extrema direita e conservador.

É perceptível o fato de a comunidade LGBTQIAP+ se encontrar dividida. Uma parte da militância sempre esteve estará próxima dos partidos de esquerda. Isto não implica em inexistência de divergência e líderes mais próximos do Governo. Há lideranças que romperam com o projeto do Partido dos Trabalhadores, apesar de se manterem relativamente neutras ou com críticas contundentes em relação aos governos petistas. O erro maior do Governo Bolsonaro foi impor uma barreira em torno do movimento LGBTQIAP+, quando Toni Reis (Diretor Presidente da Aliança Nacional LGBTI+) acenou para o diálogo com a Ministra Damares Alves (Ex ministra da Mulher, da Família e Direitos Humanos), em uma foto amplamente reprovada pela maioria dos líderes do Movimento, apesar de o gesto ter uma carga simbólica muito forte quanto ao estabelecimento de pontes civilizatórias. Mas a referida Ministra e demais membros do Governo entenderam não ser possível nenhuma concessão e o melhor seria o isolamento e enfrentamento, com corte de recursos. O Governo errou em impor a pauta contrária a ideologia de gênero, sem ao menos entender do tema, o resultado é o afastamento até mesmo de pessoas LGBTQIAP+ que votaram em Bolsonaro e agora afirmam não ter mais nenhuma simpatia e se manifestam por um voto contra as atitudes e desprezo orquestrado no interior da Presidência da República a suas identidades.

O conservadorismo no Brasil se mostra evidente na política, observando os últimos anos, e o país tem grandes dimensões e diferenças de comportamento social. Como avalia as dificuldades e avanços da comunidade LGBTQIAP+ nos estados no centro-oeste brasileiro, como é o caso de Mato Grosso, voltado para o agronegócio?

O campo sempre nutriu maior resistência ao novo, as individualidades, e Unidades da Federação imersa no agronegócio não fogem a regra. Importa reconhecer a dramaticidade acompanhada pelo GGB em relação às mortes violentas de LGBT+ nos Estados da Região Centro Oeste e, em sua maioria pode-se visualizar traços de homofobia direta, enquanto este marcador é um pouco difícil para mortes em pontos de prostituição ou com indivíduos envolvidos nos tentáculos do comércio de entorpecentes. Soma-se ao fator cultural o fato de o Movimento LGBTQIAP+ ter enfrentado dificuldade para se fazer presente em todos os Estados e, mais especificamente no interior do Brasil, em parte pelas dificuldades de enfrentamento do machismo e, não raro, há recorrência de mortes violentas de lideranças do movimento no país. Evidentemente, os financiamentos aids ajudou o movimento gay e de travestis, mas pouco ajudou as lésbicas e, somente mais recentemente abriu-se a discussão sobre as transexuais. A Aliança Nacional LGBT tem se constituído numa experiência exitosa e com grande vigor, mas a sua maior dificuldade ainda é capacitar as lideranças e operar um sistema de trocas de informações, capaz de superar os egos, os medos e as limitações devido a formação para a discussão sobre políticas públicas, enfim, cidadania.