Rádio brasileiro faz 100 anos se inovando, desta vez para acompanhar as tecnologias digitais

História

Roberto Cosme

Em 7 de setembro de 2022 o Brasil não apenas comemora o bicentenário de Independência do Brasil, como também será dia de comemorações do rádio, que há exatos 100 anos surgiu como uma grande novidade na comunicação em apresentação oficial no Rio de Janeiro, então capital do país, durante as comemorações do centenário da independência.

Um dia relembrado pela história, quando o público carioca ouviu o pronunciamento do Presidente da República, Epitácio Pessoa, a ópera O Guarani, de Carlos Gomes, transmitida diretamente do Teatro Municipal, com um público que ainda não sabia da novidade tecnológica da comunicação que chegava ao Brasil.

Segundo Marcelo Kischinhevsky, em seu livro “O Rádio Sem Onda” 2007, avalia o veículo como uma das mais poderosas mídias já criadas pela humanidade, que trouxe profundas mudanças à vida dos brasileiros, foi mediador de uma sociedade de massas e ator fundamental na construção de uma identidade nacional. 

O veículo passou por altos e baixos é bem verdade. Ganhou espaço nobre nos lares brasileiros entre os anos 30 e 50. Foi para as ruas, com modelos portáteis, mas no fim dos anos 50 perdeu seu lugar privilegiado para a TV, que ganhou do concorrente grande fatia de suas receitas publicitárias, obrigando as emissoras de rádio a buscarem novos formatos, mais econômicos.

Perdem espaço os programas de auditório, o sucesso de audiência da época e principal atração, as produções de radionovelas e ganham força os comunicadores, com seus programas de prestação de serviços, noticiário policial ou entrevistas, que podiam ser produzidos a custo infinitamente inferior ao da televisão em ascensão.

Os artistas que faziam a glória do rádio, como aqueles que davam vozes a consagrados personagens das novelas e os profissionais dos programas jornalísticos, aos poucos migravam em massa para a televisão, a qual começava a se popularizar e, evidentemente, atiçava a cobiça dos empresários e publicitários, dispostos a investir maciçamente na nova vitrine.

O rádio, anos depois, entre o final dos 70 para os 80, retorna inovado com implementação com equipamentos mais sofisticados e sonoridade de qualidade com o chamado som estéreo, na frequência modulada (FM), que passa a se diferenciar das tradicionais emissoras Amplitude Modulada (AM), com pouca qualidade sonora, design arrojado e futurista. No entanto, nos anos 90 o veículo sente a perda de seu brilho diante das novas e modernas mídias digitais.

                                                                                               

Cabine de controle nos estúdios da Rádio Tupi, 1937 - imagem: Memorial da Democracia


Para análise sobre o centenário do rádio brasileiro, comemorado este ano, a Agência Focaia, realiza entrevista com os professores Edson Luiz Spenthof e Gilson Moraes da Costa, do Curso de Jornalismo na Universidade Federal do Mato Grosso, Campus Araguaia (UFMT/CUA). 

Na primeira entrevista, Spenthof, que é doutor pela Universidade de Brasília (UnB) em Comunicação, com formação em Jornalismo, avalia que o rádio, apesar das muitas ameaças que sofreu ao longo de sua história, respondeu com criatividade e continuará tendo espaço importante na vida das pessoas, sem precisar perder sua essência.                                        

Agência Focaia - O rádio atualmente perdeu espaço publicitário na concorrência com as mídias digitais, com redução da audiência principalmente nos grandes centros urbanos. Como reduzir essas dificuldades e, digamos, para uma retomada do veículo?

Edson Spenthof - Não é só o rádio! A mídia tradicional, especialmente a jornalística, está passando por uma crise de financiamento, obrigando-a a rever o seu modelo de negócios. Ocorre que a publicidade não só se diluiu pelas diversas formas de comunicação e pela chegada, em grande escala, de novos veículos baseados na internet. Um dos grandes problemas, apontados tanto pelos profissionais quanto pelas empresas de comunicação, é a migração da publicidade para as grandes plataformas de comunicação mundial, conhecidas como big techs (Google, Apple, Facebook, Amazon, Microsoft, cujas iniciais formam o já conhecido acrônimo Gafam), mas às custas da reprodução de informação produzida, entre outros, por jornalistas e dentro da estrutura das empresas jornalísticas tradicionais. É por isso que os profissionais do jornalismo estão se mobilizando em todo o mundo, por intermédio da Federação Internacional de Jornalistas (FIJ), e no Brasil, por intermédio de um projeto de financiamento e valorização do jornalismo profissional, com a instituição de uma taxação dessas grandes empresas de tecnologia mundial, como uma justa remuneração aos profissionais e às estruturas de jornalismo. Claro que é importante considerar também o comportamento dos indivíduos, que ouvem mais rádio diretamente pelos dispositivos da web, inclusive no celular que cabe na palma da mão e acompanha os cidadãos hoje em todos os lugares, do que nos tradicionais aparelhinhos de rádio. Mas seria necessário aprofundar estudos para termos certeza de que, junto com a diminuição de aparelhinhos de escuta de rádio nas casas dos brasileiros, houve diminuição do hábito de ouvir rádio. Mas não descarto a possibilidade de diminuição do próprio hábito de ouvir rádio, devido à concorrência na disputa pela atenção das pessoas por diversos dispositivos, formas, veículos e conteúdos, o que, aliás, ocorre com todos os demais dispositivos e mídias. Mas creio que o rádio, que ainda é muito ágil e prático como veículo de informações e diversos outros conteúdos, e ainda é o “companheiro” de muitos trabalhadores e motoristas, por exemplo, pois podem ouvir o rádio enquanto realizam as suas atividades, continuará tendo espaço importante na vida das pessoas. Mas, sem precisar perder sua essência (agilidade, velocidade, praticidade, versatilidade, multiplicidade de conteúdos – informação, cultura, entretenimento) também precisa se reinventar, sobretudo na sua forma de chegar às pessoas, isto é, nos seus dispositivos tecnológicos.                                        

Podemos avaliar que a transmissão digital das emissoras erradicará o rádio analógico?

- É difícil prever se o rádio digital vai substituir completamente o analógico. É possível que sim, mas não se sabe quando, da mesma maneira que sempre foi difícil prever o fim dos veículos impressos, que, pelos prognósticos, já deveriam ter desaparecido completamente; e quando isso ocorrer, não será (isso é uma aposta pessoal minha!) para substituir o rádio em si, como forma de produção e de acesso ao entretenimento e à informação essencialmente por áudio. E também como meio de publicidade e propaganda. Em uma coisa o rádio ou o produto em áudio é insubstituível: é possível ouvi-lo enquanto se executa outras tarefas.

Dentro da diversidade da programação radiofônica brasileira atual, como o senhor analisa os programas de radiojornalismo e a importância das instituições de ensino na área de comunicação na formação de profissionais no seguimento do Jornalismo?    

A diminuição dos recursos para financiar a produção radiofônica resultou em drástica redução das equipes de jornalismo das emissoras. A opção da maioria foi eliminar uma produção, que já foi vigorosa, com grande diversidade diária de reportagens, diluídas ao longo do dia ou concentradas em radiojornais, substituindo-as por programas de entrevista, mesas redondas ou debates, que podem ser feitos com equipes bem menores. Mas o que alimenta mesmo esses próprios programas e dá consistência à produção jornalística é uma gama maior e diversa de informações, o que requer grande número de repórteres, que, por sua vez, necessitam de uma boa frota de veículos e vários outros recursos. O esvaziamento da reportagem, obviamente, diminuiu a qualidade do radiojornalismo. Os cursos de jornalismo sempre foram os celeiros de jornalistas que deram essa qualidade ao radiojornalismo, e isso não mudou. Mas as vagas para este segmento estão minguando. Não se trata de algo irreversível. O direito à informação de qualidade é assunto que a sociedade tem de colocar na mesma conta que o preço do feijão, do arroz e da carne. Sem informação, não terá ferramentas para cobrar uma adequada política econômica, educacional, de saúde.  

                                                                                                                     

Estúdio de transmissão da Rádio Aruanã FM em veiculação de programa, da cidade de Barra do Garças (MT) - imagem: Rádio Aruanã.


O professor de Jornalismo, Gilson Costa, doutor pela Universidade de Mato Grosso (UFMT), com graduação em Rádio e TV, avalia que o rádio superou muitos desafios o que prova a sua capacidade na convivência com diferentes meios de comunicação, inclusive os digitais.

Como o senhor analisa a dinâmica da indústria da comunicação envolvendo o rádio nesses cem anos no Brasil, podemos dizer que tivemos continuidades e rupturas do analógico ao digital? 

Gilson Costa - O rádio nesses 100 anos passa por transformações inimagináveis, profundos desafios e superações em aspectos tecnológicos e sobre a relação com sua audiência se superando em diferentes momentos da história, principalmente em mudança de tecnologia, e, pensando do ponto de vista histórico do rádio, ele passa por diferentes transformações conceituais diretamente ligadas aos adventos tecnológicos, onde podemos pensar nas primeiras transmissões que eram voltadas para uma elite econômica que recebia toda uma programação específica dedicada, mas em termos históricos o rádio rapidamente se populariza e através da sua oralidade de comunicação acessível, direta, conquista atenção de parte da população menos privilegiada, praticamente analfabeta, criando uma grande ressonância e podemos dizer que foi a primeira transformação conceitual do rádio no Brasil. Outro aspecto interessante foi o alcance significativo, apesar da pouca qualidade sonora das frequências de amplitude modulada que foram utilizadas inicialmente, o rádio atingia um público distante, a popularização dos aparelhos. Outro ponto importante na batalha com a televisão em aspectos tecnológicos foi a chegada do transistor, semicondutor substituindo as válvulas e com isso diminuindo o tamanho dos aparelhos, trazendo portabilidade e popularização para os aparelhos de recepção radiofônicas, impactando de forma substancial na continuidade do rádio, onde ele se diversifica, surgem diferentes estações para agradar diferentes públicos, e, na sequência a frequência, modulada deixando o rádio de nova cara, onde assume uma diversificação da linguagem trazendo entretenimento, jornalismo, educação. A inserção do rádio na Internet onde se pode observar mudanças substanciais do suporte radiofônico, onde ele ganha distribuição de conteúdo através de meios digitais e mais um local de transmissão além das ondas eletromagnéticas, surge então mais uma transformação do rádio onde ele vai buscando se adaptar, apesar de existir uma legislação sobre a digitalização do rádio, ele ainda não chega a todos os municípios brasileiros, não teve a mesma velocidade da TV Digital que teve uma conjuntura mais avançada e como exemplo temos nosso município de Barra do Garça. Outro cenário importante e interessante de se observar é que o rádio vem ganhando novos ares proporcionado pelo processo de digitalização e a incorporação da linguagem radiofônica nas plataformas digitais; e o exemplo maior é sucesso dos podcasts, que nada mais é do que um programa de rádio gravado e que o ouvinte pode escutar quando quiser. Além disso, para ouvi-lo você não precisa sintonizar uma emissora, basta acessar um serviço de streaming. Nesse aspecto o rádio surpreendeu mais uma vez, trazendo renovação que é bastante exemplificado com a explosão de consumo dos podcasts de diferentes gêneros voltados para públicos específicos. 

Aproveitando a oportunidade, compartilhe conosco um pouco da sua experiência com o rádio. 

Mesmo antes da formação em Rádio e Televisão sempre gostei muito de rádio, faço parte de uma geração que tinha o rádio como influência importante, minha infância vivenciou e no ponto de vista envolvendo toda a minha formação social, cultural e intelectual o rádio foi muito representativo, era o local privilegiado onde se buscava informação, instrução e entretenimento, o rádio faz parte da minha formação como ser humano. Na formação profissional posso dizer que tive uma experiência bastante intensa com o rádio que aconteceu logo na graduação, onde atuei com projetos de extensão com rádios comunitárias e logo depois de concluir a graduação formei uma rádio comunitária em parceria com outras pessoas no centro cultural de uma comunidade carente, periférica onde o rádio teve muita importância social e cultural no âmbito comunitário. Trabalhei por quatro anos consecutivos com programas de rádio, de entrevista, musical, debate político. Foi uma experiência muito importante e intensa que me ofereceu inúmeras oportunidades de colocar em prática uma série de conhecimentos profissionais em eletrônica que fizeram parte do meu ensino médio técnico, outro ponto importante foi o contato envolvendo toda a legislação que se aplica sobre concessões de rádios, que é uma atividade cuidadosamente regulada e sujeita à fiscalização do poder público, onde prestei várias assessorias que resultaram na criação de emissoras comunitárias, a parte técnica e na produção de conteúdo. E quando se pensa em rádio comunitária que foi a minha maior experiência percebe-se o impacto social, cultural e de solidariedade com resultados maravilhosos de identidade social em comunidades carentes sem espaço algum. Foi o momento em que as rádios comunitárias praticamente competiam em termos de audiência com as rádios comerciais, que só se preocupavam com o retorno financeiro o que motivou campanhas difamatórias e perseguições com as rádios comunitárias que mantinham muito mais participação efetiva com as comunidades. Nos dias atuais não podemos pensar no rádio apenas como veículo de comunicação, de cultura e de entretenimento apenas sonoro, sua matriz acústica estará sempre presente e está sempre em transformação. O que é bom, nunca acaba, mas apenas se renova.