‘Há uma rejeição do próprio Governo contra as comunidades indígenas’, diz professor sobre pandemia nas aldeias
Saúde Indígena
Reportagem
Sara Ribeiro
No Brasil a população xavante atingiu 1.025 casos
confirmados pelo novo coronavírus e soma 59 óbitos desde o início da pandemia,
conforme o boletim
epidemiológico da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI),
divulgado na última segunda-feira (06). No Araguaia, representantes indígenas
alertam para o problema na região, onde há concentração dos povos originários
que buscam, por meio de iniciativas próprias, conter a doença e manter as
atividades nas aldeias, sem a assistência do Estado.
A extensão do Vale do Araguaia engloba aldeias da
etnia Xavante com 22 mil indivíduos, distribuídos em 7 terras indígenas
presentes em 11 municípios, o que torna inevitável a exposição dos aldeados ao
risco de contaminação pelo novo coronavírus. O último censo
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizado em 2010, aponta o total da população
indígena no Estado de Mato Grosso como sendo de 42.538 pessoas.
Os povos indígenas realizam barreiras sanitárias na entrada das aldeias, para assim evitar a contaminação da comunidade pelo vírus da covid-19 - Imagem: arquivo Fundação Nacional do Índio. |
A comunidade indígena é vulnerável à doença, devido a fatores geográficos e epidemiológicos, mas há também a negligência do Governo Federal com os povos indígenas. O professor de Jornalismo da UFMT/CUA, Gilson Moraes da Costa, que atua na área de movimentos sociais e povos indígenas, denuncia o descaso do governo brasileiro.
“Existe uma política negacionista em relação a
pandemia como um todo, o Governo acreditava que a pandemia não afetaria os
povos indígenas drasticamente, mesmo quando a ciência já mostrava que sim”.
“Vale a pena ressaltar que o Governo Federal só
começou a agir de fato, quando o Judiciário começou a pressioná-lo, pois a taxa
de contaminação e de mortalidade entre os indígenas era muito maior, quando
comparada com a taxa da população comum. No entanto, o Governo insistiu em
ministrar cloroquina para os povos indígenas e está sendo investigado pela CPI,”
denuncia.
O professor indígena, Xisto Tserenhi, diz que não
viu “apoio do Governo em investimentos ou em medicamentos adequados ao combate
à covid-19. Vi os profissionais de saúde sozinhos na linha de frente”.
As aldeias maiores possuem um posto de
saúde integrado, que são responsáveis pelo primeiro diagnóstico clínico dos contaminados
com o vírus, mas quando há piora nos sintomas, o indígena é encaminhado para a
SESAI. “Lá ele fica sob observação e isolado, caso os sintomas se agravem
muito, ele é transferido para o pronto socorro e recebe o procedimento padrão
de qualquer pessoa”, explica o docente.
“No início não tinha isolamento, enfrentamos a
covid-19 como costumávamos enfrentar as demais doenças e perdemos muitos
parentes”, lamenta Xisto.
O povo Xavante passou a adotar cuidados, como
restrições à ida às cidades, barreiras sanitárias, uso de máscaras e de álcool
em gel. Com isso, o problema crônico da falta de alimentos se agrava nas
aldeias. “Como toda população vulnerável, os povos indígenas também tiveram
dificuldades alimentares, porque a própria condição do meio ambiente em que
eles vivem já não dá condições de se alimentarem da forma tradicional; todas as
circunstâncias são desfavoráveis”, pontua Costa.
“No primeiro momento foram feitas muitas campanhas
para arrecadação de alimentos, roupas, materiais de primeiros socorros e de
higiene. Tudo isso foi feito pela sociedade civil organizada e não pelo poder
público. A Funai, depois das denúncias em relação ao abandono dos povos
indígenas, teve políticas de doação de cestas básicas”, afirma.
O professor Xisto complementa que “alguns indígenas
estão sobrevivendo do auxílio emergencial, bolsa família e aposentadoria”, pois,
assim como todo cidadão, eles também têm direito aos programas sociais.
Atualmente, a pandemia entre a etnia Xavante está relativamente controlada. De acordo com o Ministério da Saúde, mais de 75% dos indígenas do DSEI Xavante já foram vacinados e aprenderam a lidar com a doença. No entanto, parte da população Xavante, induzidos por rumores e boatos de que o imunizante não é seguro, se negaram a vacinar.
Educação indígena na pandemia
A pandemia de covid-19 além de mudar a vida nas
aldeias, também compromete o acesso à educação. “Os parentes que estudavam na cidade
retornaram às aldeias e alguns permaneceram devido à falta de internet. Os que
optaram em ficar nas aldeias, têm que esperar a retomada das aulas que foram
suspensas pelo MPF (Ministério Público Federal)”, explica Xisto.
Para dar continuidade ao ensino escolar, os educadores indígenas tiveram que fazer adaptações. O professor Gilson informa que por conta das medidas sanitárias, “muitos estão com aulas apostiladas”, ou seja, estudando em casa por meio de materiais impressos.