Pesquisadora da UFMT Araguaia avalia a falta de informações do estado sobre o sistema prisional na pandemia

Covid-19

                   

Agência Focaia

Reportagem

Júlia Viana

 

O Brasil ultrapassa 100 mil mortes pela covid-19, como pessoas espalhadas pelo país e condições sanitárias diversas, contribuindo para o aprofundamento de problemas sociais, na pandemia. Neste sentido, como a doença prolifera muito rapidamente, com alta capacidade de contaminação, alguns setores da sociedade também ficam na obscuridade institucional, exigindo atenção das comunidades regionais, como é o caso das penitenciárias, com presos amontoados e em condições propícias para o aumento de casos de infecções e mortes.

No estado de Mato Grosso a realidade é de preocupação, tendo um grupo de docentes pesquisadores e estudantes da Universidade Federal do Mato Grosso mapeado determinadas prisões mato-grossense para a identificação do cenário pandêmico entre pessoas privadas de liberdade. 

O Programa “Prisões e Pandemia no Estado de Mato Grosso,” formado por dois Projetos de Extensão e coordenado pela professora do Curso de Direito da UFMT/CUA, Paula Pereira Gonçalves Alves, procura formar um desenho da situação, tendo inicialmente como foco na incidência da pandemia nas unidades prisionais dos municípios de Pontes e Lacerda, Cuiabá, Alta Floresta e na Cadeia Pública de Barra do Garças, e se estendido a todas as unidades prisionais do estado de Mato Grosso.

Um dos Projetos do Programa, também coordenado por aquela mesma docente, monitora a Cadeia Pública de Barra do Garças.

O trabalho deverá se estender para o próximo ano, com avalia a coordenadora. De acordo com ela, a depender da difusão do novo coronavírus nas unidades prisionais e mesmo seus impactos, o programa poderá ser renovado, apresentando até mesmo novas ações pensadas a partir de possíveis cenários que teremos até lá.”

 
Pesquisadores monitoram os reflexos da pandemia nas prisões do estado de Mato Grosso e 
propõe arrecadação de produtos básicos para higiene de pessoas privadas de liberdade – 
imagem: reprodução.
 

A atividade reúne 18 pessoas, 10 vinculadas ao campus Araguaia, entre coordenadores, docentes, bolsistas e estudantes voluntários da UFMT e de outras instituições de ensino superior. Integram Leonardo Luis Nunes Bernazzolli, que é Presidente da Comissão de Direito Penal e Processo Penal da OAB-MT, e a Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso, tendo como representante o Defensor Público Fernando Soubhia, Conselheiro do Conselho Superior da DPE e membro do GAEDIC - Sistema Carcerário. 

Primeiras iniciativas

Constatada a realidade de dificuldades da cadeia pública do município, o grupo rapidamente já deu início campanha para compra de materiais para prevenção e enfrentamento das unidades prisionais mapeadas. O propósito dos organizadores do projeto é adquirir produtos indispensáveis ao controle da doença, como máscara, sabão e detergente.

“A Cadeia Pública de Barra do Garças opera cerca de 200 pessoas privadas de liberdade, segundo informações que obtivemos por parte da Direção da Unidade. Contudo, de acordo com o Departamento Penitenciário Nacional-DEPEN, esse número é de 270 pessoas privadas de liberdade”, disse Gonçalves.

Em outra frente os grupos de trabalho acadêmicos visam sensibilizar os profissionais da área da segurança pública do estado para pensar a situação da pandemia nas prisões, na busca de minimizar a situação precária das prisões, mantendo sob controle a proliferação da doença nestes locais, muitos deles em condições precárias.

“A realidade do sistema carcerário que já vinha há muito tempo com falta de vaga e falta de higiene, que faltava até água, com a chegada da covid-19, você potencializa esses fatores de risco,” ressalta a coordenadora do trabalho.   

A ação de monitoramento ainda revela que as informações da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SESP) nem sempre são confiáveis, os “dados não, necessariamente, estão falando sobre a realidade. Então, no projeto, fazemos uma checagem, uma análise desses dados,” adianta.

Ao observarem os dados da SESP, Gonçalves expõe que é um cenário muito crítico com aumento significativo da população carcerária que tem sido infectada pelo novo coronavírus.

Com base nestes dados a pesquisadora destaca que recentemente “em 18 dias teve um aumento de 319% de pessoas privadas de liberdade, contaminadas com covid-19. Verificamos que apenas 3% das pessoas com COVID-19 tiveram a prisão domiciliar concedida ou revogada a prisão”.

A falta de transparência dos boletins da secretaria de segurança pública do Estado, ferramenta importante para compreensão da grave situação, impede que pesquisadores e a própria população se depare com a realidade das prisões em Mato Grosso. “Antes mesmo de propor a extensão, notava que havia uma completa falta de transparência de dados,” enuncia Gonçalves.  

Sobre dificuldades que vem enfrentando com a implementação do trabalho do projeto, ela revela que, quando se lida com conselhos superiores de importantes instituições do sistema de justiça criminal, há todo um processo burocrático que às vezes dificulta dar celeridade às ações, mas que a equipe tem conseguido resolver possíveis entraves institucionais.

“O repasse [de produtos necessários ao controle da covid-19] é fundamental, as celas são insalubres, visitas suspensas, presos com comorbidades, e outros sem remédios.” Por meio da OAB/MT o Programa tomou conhecimento de que, em razão da suspensão de visitas, que antes os familiares levavam medicamentos e outros produtos, há uma necessidade de suprimentos para as pessoas privadas de liberdade, sobretudo de medicamentos para aquelas que fazem continuo e controlado.

Desde meados de março 2020 a SAAP/SESP-MT estabeleceu a suspensão de visitas presencias, e em abril ela passa a regulamentar o procedimento de visitas virtuais em todas Unidades Penais do Estado de Mato Grosso. De acordo com a Portaria nº 10/2020/SAAP/SESP-MT, as visitas passam a ser realizadas por meio de chamadas de áudio e/ou vídeo, e-mail ou cartas. “Precisamos nos atentar sobre a efetividade e condições de cumprimento dessas visitas por meios virtuais ou cartas” complementa Paula.

Responsabilidade social

Como destaca a atividade de extensão da UFMT Araguaia, “reconhecemos que colaborar [na melhoria da] situação de vida para as pessoas em situação de prisão é um desafio, já que há toda uma estigmatização social em relação a essas pessoas.”

Além do monitoramento e arrecadação de fundos para aquisição de produtos de higiene e medicamentos, o Programa atua indiretamente para a liberdade dessas pessoas, tentando atingir a liberdade principalmente àquelas do grupo de risco. Para isso, que foi firmada a parceria com a OAB Seccional do Estado de Mato Grosso e a Defensoria Pública do Estado.

“Em breve vamos encaminhar um relatório sobre a situação da pandemia nas prisões do estado de Mato Grosso (MT) ao Tribunal de Justiça do Estado, à Defensoria Pública e a representantes do Ministério Público Estadual (MPE), a fim de apontar possíveis inconsistências dos dados oficiais divulgados pela Secretaria de Administração Penitenciária do Estado, sobre a situação da COVID-19 nas unidades do estado, denunciar um cenário que tem sido mitigado por alguns setores do sistema criminal e também para provocar essas instâncias superiores de que a liberdade ou prisão domiciliar não tem sido concedida e que este é o caminho para reduzir os danos da COVID-19 no sistema carcerário". 

"O caminho é frear o encarceramento e reduzir a população que já se encontra presa”, complementa a coordenadora da pesquisa.

“A sociedade tem sua partede responsabilidade pela condição em que essas pessoas se encontram. A punição envolve toda uma estrutura social e as pessoas da vida comum fazem parte dela quando excluem o outro, não dão oportunidade para pessoas de grupos vulneráveis, quando acionam o sistema criminal para pequenas ocorrências etc.” finaliza.