Saída do ministro da educação de Bolsonaro leva universidades a discutirem o plágio e currículos das plataformas oficiais
Política Educacional
Agência Focaia
Reportagem
Thaynara Fernandes
Marcos Filho
O Ministério da Educação (MEC)
sob o comando de Jair Bolsonaro (sem partido), em menos de dois anos e meio, já
recebeu a nomeação de quatro ministros. Na última quinta-feira (16) o educador
e religioso Milton Ribeiro tomou posse para o comando da pasta de destaque e
estratégica para a gestão federal. O seu antecessor no cargo, nem sequer tomou posse e levou o país à ampla discussão sobre os currículos acadêmicos, com questionamentos referentes ao plágio e à veracidade de informações nas plataformas oficiais, no que diz respeito aos títulos acadêmicos.
O professor
Carlos Alberto Decotelli em poucos dias, na condição de ministro da educação, esteve envolvido em várias
controvérsias e polêmicas sobre os seus títulos acadêmicos publicados, porém
contestados, levando o professor forçosamente a pedir demissão do cargo,
rapidamente.
Decotelli substituiu o segundo nome no cargo de Ministro da Educação, o polêmico Abraham Weintraub, que deixou o MEC sob críticas por sua participação nas redes sociais e ataques, em reunião ministerial, ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Carlos Alberto Decotelli ao lado de Bolsonaro.
Nomeado para comandar o MEC, mas sequer
chegou a tomar posse – imagem: rede social/ Catraca
Livre
Bolsonaro como forma
de reconhecimento ao trabalho de Weintraub, seguidor da ideologia sistemática
do presidente, indicou o ex-ministro à representação do país no Banco Mundial,
em Washington, nos Estados Unidos, para onde viajou às pressas.
Como afirma o
professor da UFMT Araguaia, Edson Spenthof, “visto que o STF abriu inquérito
para investigar seus ataques públicos às instituições, como o STF e sua
participação ativa, como um dos porta-vozes do próprio Bolsonaro, nos ataques
sistemáticos à democracia”.
Sob críticas, o
governo Bolsonaro anunciou o terceiro nome, rapidamente, Carlos Decotelli. O
próprio presidente fez a apresentação em suas redes sociais do nomeado:
“Decotelli é bacharel em Ciências Econômicas pela UERJ, mestre pela Fundação
FGV, doutor pela Universidade de Rosário, Argentina, e pós-doutor pela Universidade
de Wuppertal, na Alemanha”, mensagem reproduzida no site UOL.
Segundo o professor da UFMT/CUA,
Linder Cândido da Silva, a escolha do ex-ministro Decotelli “parece ter sido
norteada pela busca por um perfil alinhado ao pensamento do Presidente. Que em
outras palavras, buscou-se uma versão mais suave do antecessor, Abraham
Weintraub”.
Após a divulgação do nome do novo
ministro, começaram os rumores na mídia sobre o currículo acadêmico de
Decotelli, com perfil na plataforma Lattes, do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), vinculado ao Ministério da
Ciência e Tecnologia (MCTIC).
Nele constava vínculo do novo
ministro da Educação à Fundação Getúlio Vargas (FGV), na função de professor.
Mais tarde, ficou evidente que ele era apenas professor colaborador, ou seja,
não fazia parte do quadro de professores efetivos.
"O Prof. Decotelli atuou apenas nos cursos de educação continuada, nos programas de formação de executivos e não como professor de qualquer das escolas da Fundação", afirmou a FGV, como publicado pelo portal de notícias G1.
Em seu perfil pessoal na plataforma
Lattes, Decotelli também descrevia ter realizado doutorado na Universidade
Nacional de Rosário, na Argentina. O reitor da instituição, Franco
Bartolacci, em poucos dias veio a público esclarecer a informação de que a tese
não havia sido concluída.
"O senhor Carlos Decotelli cursou o doutorado em administração da
Faculdade de Ciências Econômicas e Estatísticas da Universidade Nacional de
Rosário, mas não o concluiu. Não completou todos os requisitos que são exigidos
pela nossa regulamentação de doutorado, que exige a aprovação de uma tese final
para obter o título de doutor. Portanto, não é doutor pela Universidade
Nacional de Rosário", afirmou Bartolacci, no portal de notícias G1.
Em entrevista o próprio o ex-ministro confirmou não ter obtido os
créditos de doutor na Argentina.
Não demorou muito e outras
informações davam conta de que Decotelli não teria o título de pós-doutorado,
obtido na Universidade de Wuppertal, na
Alemanha.
A universidade informou em nota que, Carlos Decotelli apenas teve
vínculo com atividades de pesquisa na instituição alemã. Posteriormente, também
confirmado pelo novo ministro de Bolsonaro.
Plágio acadêmico
Houve também acusações contra
Decotelli de plágio, referente ao Trabalho apresentado por ele em 2008 para a conclusão do
mestrado em Administração, na FGV. Como pontua Spenthof, com “fortes indícios de que a dissertação de
mestrado é em grande parte plágio”. A Fundação Getúlio Vargas informou que vai
"apurar os fatos referentes à denúncia de plágio na dissertação do
ministro Carlos Alberto Decotelli".
Segundo o professor da UFMT/CUA,
Hugo Heleno Camilo Costa, “o plágio é a
cópia ou a reprodução literal sem o devido crédito ao verdadeiro autor de uma
obra”. Portanto, esta é uma atitude inadequada para o pesquisador, porque se é
considerado plágio, seja artigo, tese, dissertação, não pode ser concebida como
uma produção de quem está apresentando, acrescenta Costa.
O ministro
argumentou sobre a acusação de plágio e negou que tenha feito cópia. "Quando você escreve, tem que ter disciplina
mental para escrever, revisar e mencionar o que citar. Cuidado. É possível
haver distração? Sim, senhora. Hoje, a senhora tem mecanismos para verificar,
[tem] softwares. Mas naquela época, pela distração... Não houve plágio, porque
o plágio é quando faz 'Control + C, Control + V', e não foi isso",
justificou o ministro na entrevista, no UOL.
Houve muitas polêmicas e
questionamentos a respeito das titulações acadêmicas apresentadas no currículo
do primeiro ministro negro do governo Bolsonaro. Como publicado pelo site UOL,
Decotelli acredita que o racismo tenha influenciado na sua demissão do cargo,
"há muitos brancos com imperfeições em currículo trabalhando sem incomodar
ninguém”, disse.
Linder Cândido discorda, “independente
de quem seja a vida pregressa de qualquer indicado ao cargo de Ministro da
Educação é sempre muito investigada pela imprensa. Nessa indicação, acredito
que o aspecto técnico do currículo não tenha sido determinante. Reveladas as
várias inconsistências, as condições de permanência no cargo foram naturalmente
perdidas; vejo o comentário do senhor Carlos Decotelli como uma tentativa de
minimizar os graves erros que cometeu”.
Segundo o professor da UFMT/CUA,
Odorico Ferreira Cardoso Neto, “é uma fala equivocada, pois em nenhum momento a
cor da pele foi colocada no centro do debate, mas a desonestidade curricular.
Antes das descobertas do currículo, que era um não currículo, o quase ministro
recebeu várias manifestações de apoio. A lembrança que se fazia dele era de uma
licitação no FNDE [Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação] em que
autorizou R$ 3 bilhões “reprovada” pela CGU [Controladoria-Geral da União]. Em
si a licitação era escabrosa, trazendo sérias dúvidas de gestão, mas nunca em
relação a cor”.
Conforme
Costa, embora não tenha acompanhado a fala do ex-ministro, “eu não duvido que
em algum momento alguma perspectiva racista possa ter se constituído contra o
senhor Decotelli, mas eu penso que eventualmente, muitos currículos Lattes
possam ter incorreções”.
Segundo
ele, “essas incorreções muitas vezes são resultado de um preenchimento
inadequado, atribuição de produção na área errada. Mas que, no entanto,
postar que possui título sem possuir, não sei se é o caso, isso não é uma
incorreção, isso é uma falha em perícia mesmo”.
O preenchimento do currículo na plataforma Lattes é exclusivamente de responsabilidade do pesquisador, “se o usuário usa uma plataforma pública para mentir, enganar, auferir vantagem, comete crime e do ponto de vista legal deve ser punido por agir contra o ordenamento jurídico. Simples assim! Ao disponibilizar os dados, eles poderão ser colhidos através de fontes públicas pela Lei de Acesso à Informação (Lei Nº 12.527/2011), diz Odorico Neto.
O docente
acrescenta que, “o Lattes funciona como uma fonte originária da informação, que
não garante a veracidade dos dados, nem que eles estejam atualizados”.
Para exercer o cargo de Ministro
da Educação, segundo Spenthof, “a primeira credencial é não mentir sobre seu
currículo. Mas não basta: o currículo tem de ser bom, tanto em termos de
formação quanto em experiência e conhecimento relacionados à educação,
sobretudo a pública. Além disso, não pode ser preconceituoso e negacionista (negar
a ciência e os fatos)”.
Fake News
O
economista e professor Decotelli não é o primeiro ministro do atual governo a
disponibilizar informações incorretas no currículo. Houve denúncias também
contra o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Sales e a ministra da Mulher,
Família e Direitos Humanos, Damares Alves, que foi apresentada como mestre em
Educação e Direito.
“Essas
falsas declarações no currículo Lattes de ministros e ministras do atual
Governo são condizentes com uma gestão que, possivelmente, chega ao poder
também por meio das chamadas fake news. Portanto, nenhuma novidade nessas
falsas declarações sobre a (des)qualificação de ministros e ministras, quando
se tem um governo atravessado, diariamente, por fake News”, diz a doutoranda e
mestra em Direito Paula Pereira Gonçalves Alves.
“O
problema para a comunidade acadêmica, que leva a ciência à sério e com
responsabilidade, é a imagem simbólica que esses acontecimentos representam
para toda a sociedade brasileira e internacional. Como se a nossa ciência não
pudesse ser levada a sério ou mesmo como se pouco produzimos conhecimento
científico com rigor e qualidade”, finaliza.
O novo ministro da Educação
Cerimônia
de posse do atual ministro da educação Milton Ribeiro – imagem: Nairara
Demarco.
O presidente Jair Bolsonaro deu posse, nesta quinta-feira (16) ao novo
ministro da Educação, professor e pastor Milton Ribeiro.
O quarto ministro do governo
Bolsonaro a comandar MEC é militar da reserva e pastor da Igreja Presbiteriana
de Santos, tendo formação no campo de teologia e advocacia, com Doutorado em
Educação.
Ribeiro é membro do Conselho Deliberativo
do instituto Presbiteriano Mackenzie, entidade mantenedora da Universidade
Presbiteriana Mackenzie, e relator da Comissão de Assuntos Educacionais do
Mackenzie.