Governo sinaliza decisão de indicar reitores das universidades brasileiras na pandemia; ministro deixa MEC em meio à crise
Política Educacional
Agência Focaia
Reportagem
Sara Ribeiro
Medida provisória MP 979/2020 editada pelo Presidente Jair
Bolsonaro, no começo deste mês, para nomeação de reitores sem consulta à comunidade acadêmica, nem sequer chegou a uma discussão parlamentar, em mais um episódio político envolvendo Jair Bolsonaro e universidades públicas brasileiras. A MP Foi publicada e
logo perdeu os seus efeitos.
Presidente do Senado Federal, Davi Alcolumbre
(DEM-AP), devolveu ao governo o texto que foi logo arquivado, resultando em um
dos poucos casos semelhantes na política brasileira. Gerando como consequentemente o
aumento da crise entre governo e lideranças universitárias brasileiras, o que antecede a saída do ministro da educação, Abraham Weintraub, do cargo, revelando crises de uma das principais pasta do executivo federal.
Na execução da medida provisória, o Palácio do
Planalto concedia ao ministro da Educação o poder de nomear reitores e
vice-reitores de universidades federais, sem consulta à comunidade acadêmica
durante a pandemia do novo coronavírus. A decisão foi oficializada por meio de
outra medida provisória, a MP 981/2020, publicada no Diário Oficial da União.
No país, duas dezenas de universidades passam, no
segundo semestre de 2020, por processo de mudança de reitorres, e, com a nova MP,
o governo teria o direito de indicar os gestores das instituições de ensino
superior, sem a necessidade da realização de consulta à comunidade acadêmica.
Com a medida, Bolsonaro aprofunda o atrito dentro das instituições
universitárias, com reflexo no Congresso Nacional.
MP que
permite o ministro da Educação
escolher reitores durante a
pandemia
do covid-19 provoca várias críticas - Imagem: Agência Brasil
do covid-19 provoca várias críticas - Imagem: Agência Brasil
Alcolumbre afirma, ao fazer a devolução da MP ao
executivo, que “cabe a mim, como presidente do Congresso Nacional, não deixar
tramitar proposições que violem a Constituição federal. O Parlamento permanece
vigilante na defesa das instituições e no avanço da ciência”.
Inconstitucionalidade
Em entrevista concedida ao FOCAIA, o
professor da UFMT, Jorge Arlan de Oliveira Pereira, afirma que “a MP 979 se
mostrava flagrantemente inconstitucional em dois aspectos. O primeiro diz
respeito ao prazo, porque tratava de matéria já apresentada pelo governo na MP 914,
em 2019, que também tentou alterar o processo de escolha de reitores. E previa
pesos diferentes de voto para professores, funcionários e alunos na eleição dos
reitores.”
A Medida Provisória 914 não foi aprovada pelo
Congresso e perdeu a validade no começo de junho. Conforme, salienta o docente,
pela legislação uma matéria não pode ser objeto de mais de uma MP no mesmo ano
legislativo. “O segundo aspecto se refere à autonomia universitária, garantida
pela Constituição
de 1988, e que ficaria profundamente afetada pela MP.”
Arlan considera que a medida proposta no período de
pandemia é mais um ataque às universidades. “A justificativa de preservar a
saúde da comunidade universitária constitui, na verdade, um pretexto para o Governo
Federal viabilizar sua intenção de intervir nas universidades. Seria a
oportunidade de ‘passar a boiada’ no campo da educação.”
Como avalia Arlan, de modo simples, sem causar uma
crise política, bastaria o governo promover a “prorrogação do mandato dos atuais
reitores pelo tempo necessário ao combate da pandemia. Eliminaria inúmeros
transtornos. E uma segunda alternativa seria a eleição nas universidades pelo
sistema virtual, eliminando os riscos de contágio devido às aglomerações que o
processo presencial implicaria”, destaca.
Violação da autonomia
universitária
A autonomia universitária é estabelecida pelo artigo 207 da
Constituição Federal. O regulamento trata da independência das
instituições de ensino superior públicas em seus atos administrativos, onde
podem contratar, gerir e pesquisar para fins científicos.
Neste sentido, para muitos intelectuais ligados à
área da educação, as regras da MP 979, se mantivesse em vigor, feria o princípio da autonomia
universitária, que é estabelecido pela Constituição.
“Caso a MP 979 fosse implementada, a autonomia
universitária sofreria prejuízos irreparáveis, uma vez que o processo decisório
do colegiado, próprio das instituições de ensino superior, ficaria praticamente
anulado”.
“Estaria submetido a um comando que não ouviria a
comunidade universitária e balizaria suas ações políticas e administrativas
automaticamente pelas determinações do ministro da Educação e do Presidente da
República. Comprometeria, assim, a independência das universidades para se
orientarem pela liberdade de cátedra, os valores científicos e os compromissos
amplos com a sociedade,” avalia Jorge Arlan.
Educação sem titular
A política de educação do governo Bolsonaro se
arrasta com diversos problemas de gestão, com escândalo que envolve a postura
do ex-titular nas redes sociais, convivendo com duras críticas de educadores, com
o ministro da Educação em processo de desgaste, atingindo o Governo Federal.
A
situação ficou mesmo insustentável a partir do momento em que Abraham Weintraub aparece em reunião ministerial atacando o Supremo
Tribunal Federal (STF), chamando os ministros da corte de vagabundos, com ampla
divulgação na mídia brasileira.
Na semana passada ele foi exonerado do cargo de
ministro da educação, viajando praticamente no mesmo dia da
sua saída da pasta para os Estados Unidos, com a promessa de assumir posto de diretor-executivo do Banco Mundial, na representação brasileira,
conforme negociação com o presidente para a exoneração.
Bolsonaro que já fez elogio a Weintraub em momento
de críticas contra o ministro, dizendo que o observa tendo o mesmo
comportamento em seu tempo de deputado, com posição dura e intempestiva, como
fez entender.