As mulheres ocupam espaço na academia e no trabalho, mas persistem diferenças históricas de uma sociedade do machismo


Gênero

Agência Focaia
Reportagem
Luara Romão
Sara Ribeiro



Prédio da biblioteca do Campus Araguaia, Unidade II em Barra do Garças, da Universidade 
Federal de Mato Grosso – Imagem arquivo Focaia. 


No mês em que se comemora o dia internacional da mulher, que possui o objetivo de lembrar as conquistas sociais, políticas e econômicas das mulheres, o Focaia decidiu por pautar, realizar uma reportagem para compreender as diferenças de gênero na academia, entrevistando algumas acadêmicas da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e professor especialista sobre esse assunto.

Historicamente, desde criança, meninas são influenciadas a escolherem profissões que são socialmente vinculadas à imagem da mulher que “cuida e educa”, como exemplo a profissão de professora, enquanto outras funções sociais são efetivamente masculinas - segundo uma análise feita pelo guia do estudante a partir dos dados do censo da Educação Superior de 2015. Pensando nisso, a reportagem foi conversar com estudantes dos cursos que formam profissionais da educação, com atuação em sala de aula.

Para a acadêmica Julia Dantas do 2° semestre de Letras, no Brasil há uma formação que valoriza o gênero masculino, “desde criança o menino é induzido a preferir profissões que envolvam aventura e a menina a gostar de profissões mais relativas ao cuidado, a algo mais familiar.”

Como as mulheres se mostram ativas para mudar esta realidade, cursos socialmente vinculados à imagem masculina aos poucos vêm ganhando a presença feminina, como afirma Franciele Rodrigues, acadêmica do 7° semestre de Agronomia.

“Desde que entrei na Universidade ouvi e vi outras mulheres ouvindo coisa do tipo: 'quando eu formar, meu salário será o dobro do seu', 'quando vocês formarem eu arrumo estágio pra vocês', sendo esses alunos da mesma turma que nós e há diversos comentários de corredores muito mais agressivos e obscenos”.

Como acrescenta Franciele, “além da predominância masculina em sala de aula e como eles se comportam, por exemplo, se for uma disciplina com um grau de dificuldade maior, os homens sentam todos na frente, como se formassem um cordão masculino e as meninas ficam esquecidas no fundo da sala, a ponto de passar quatro horas de aula sem fazer uma pergunta ou algum comentário sobre o conteúdo ministrado.”

Apesar dos avanços, diante do ponto de vista das entrevistadas, a universidade e a sociedade continuam representando a cultura de machismo e exclusão enraizada em sua estrutura. Com isso, deve-se atentar não somente a vida acadêmica da mulher, mas também com o espaço dentro do mercado de trabalho, no qual a diferença salarial entre homens e mulheres é exacerbada. 

De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), referente ao ano de 2017, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres recebem 70% dos rendimentos dos homens. 30% a menos do que os homens.

A acadêmica do 4° semestre de Biomedicina, Kalline Passos, diz que “é uma injustiça muito grande, o que define a capacidade e qualidade profissional de uma pessoa não tem nenhuma relação com o sexo/gênero/orientação sexual. Infelizmente o machismo é algo enraizado na sociedade, de maneira geral. Precisamos mudar essa realidade.”

Educação feminina

Com a chegada da família real ao Brasil, em 1808, foi construída a primeira universidade brasileira, destinada apenas aos homens. Somente sete décadas depois, em 1879, as mulheres tiveram a oportunidade de se matricular em uma instituição de ensino superior. Até o século XX o número de universitárias era extremamente menor do que dos homens, conforme pesquisa que analisa a trajetória de inserção das mulheres no ensino superior.

A realidade do século passado mudou e hoje as mulheres são a maioria na universidade brasileira, conforme o Censo da Educação Superior de 2018, realizado e divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). Atualmente são 8.450.755 mulheres matriculadas no ensino superior, ocupando 57,2% das matrículas. Apesar disso, o preconceito se mantém implícito no que diz respeito à progressão na carreira acadêmica e profissional da mulher.

A busca pela igualdade de gênero no ambiente acadêmico ganha relevância no contexto dos direitos civis,  por isso, vêm aumentando as iniciativas para combater essa disparidade como movimentos femininos, formação de coletivos feministas, criação de centros para abordar o tema e, por fim, na redução da desigualdade de gênero nos campi.

O professor Luis Bitante, especialista na área de gênero e sexualidade diz que "Se olharmos em termos legais e normativos que a universidade institui, podemos afirmar que a igualdade já se faz presente, mas quando olhamos para as relações cotidianas da universidade percebemos que ela [universidade] ainda se encontra em um atraso descomunal no tocante ao respeito com as mulheres; é nesse sentido que há uma disparidade nas relações e nos acessos que a universidade proporciona".

Acrescenta ainda sobre a tensão existente na sala de aula, quando se trata das relações de gênero e sexualidade, "o desrespeito é grande, e na maioria dos casos encontramos um grande despreparo pedagógico no enfrentamento das desigualdades entre os gêneros e entre as diversas formas de manifestação da sexualidade; penso que o corpo docente deveria passar por capacitação no que se refere a questões relacionadas a gênero e sexualidade" completa Bitante.


As mulheres conquistaram muito, mas ainda têm muito mais a alcançar. Júlia Dantas, acadêmica do curso de Letras, ressalta que “com a popularidade do feminismo liberal, de fato algumas barreiras estão sendo gradativamente derrubadas (...) avanços temos, mas ainda é uma grande caminhada pela libertação das mulheres".

Machismo no trabalho

Ao longo da história brasileira pode-se observar o quanto as mulheres tiveram dificuldades para ter acesso à educação escolarizada e ao ensino superior. De acordo com o artigo "História da mulher no ensino superior e suas condições atuais de acesso e permanência", das autoras Ana Cristina Furtado Pereira e Neide de Almeida Lança Galvão Favaro, desde o período colonial as mulheres foram designadas a aprender somente trabalhos domésticos e maternais, para que pudessem consequentemente se tornar boas esposas e mães.

Isso acontecia porque a cultura disseminada, na época, moldava a imagem feminina como um ser inferior, ‘sexo frágil’ que não possuía necessidade de saber ler e escrever. No Brasil, ao longo de sua história, também conviveu com divisão sexual do trabalho, designando as mulheres às atividades domésticas e aos homens as atividades públicas, afirma Pereira e Favaro.

Com todas as mudanças no século XX, as diferenças persistem na valorização do reconhecimento das atividades masculinas. Mesmo quando as mulheres começaram a quebrar esse tabu e frequentar as universidades, em busca de ocupar o lugar que é seu por direito, os salários delas mantém-se menores do que aos homens, ainda que elas tenham qualificações e cargos iguais, exercidos por ambos os sexos, completa as pesquisadoras.