Ignorância ou esperteza?

por Jean Wyllys 
Hoje, durante reunião do Colégio de Líderes e respondendo interpelação de Chico Alencar (líder da bancada do PSOL), Eduardo Cunha justificou a entrega do sistema de comunicação da Câmara Federal (TV Câmara, Rádio Câmara, Jornal da Câmara, site da Câmara e relações públicas) ao PRB - partido que o ajudou a se eleger presidente da casa - com a seguinte pérola da ignorância ou da esperteza:
Segundo Cunha, "não faz sentido a TV Câmara, por exemplo, apresentar, aos domingos, programa sobre chorinho para concorrer com o Domingão do Faustão". Para ele, o sistema de comunicação da casa deve ficar sob a batuta do deputado Cleber Verde (PRB-MA) - em vez de gerida por um servidor concursado e técnico em Comunicação Social - porque a "a câmara é Câmara dos Deputados e não Câmara dos Servidores". Pano rápido.
É realmente impressionante e lamentável que apenas nós do PSOL expressemos indignação em relação ao que Eduardo Cunha está fazendo com o sistema de comunicação da Câmara (todos os outros partidos se calam, incluindo aí o PSDB, que faz oposição direitosa ao governo Dilma, mas, estranhamente, cala-se sobre os desmandos de Eduardo Cunha, que é, em teoria, base do governo). É significativo que a "grande" mídia não dê espaço para a crítica a esse descalabro.
O sistema de comunicação da Câmara sempre se pautou pela isenção, objetividade, equidade, autonomia e liberdade, abrindo espaço para todas as correntes político-ideológicas e partidos e, principalmente, primando pela laicidade. Sob a batuta do PRB e de Cunha, o sistema de comunicação da casa agora corre o risco de virar mídia de propaganda de deputados evangélicos neopentecostais senão do próprio proselitismo evangélico neopentecostal.
Além da perda da laicidade e da isenção, a TV Câmara perde seu diferencial em relação à mídia comercial, em que pese a absurda comparação que Cunha fez entre sua programação e a do Domingão do Faustão. O fato de a TV e rádio Câmara fecharem seus espaços à produção artístico-cultural que não tem chance nas mídias comercias (em programas com Domingão do Faustão, Gugu, Raul Gil, Caldeirão do Huck, Esquenta, Pânico, Ratinho, CQC e etc) devido ao caráter artístico ou experimental é um duro golpe na diversidade cultural e na democratização da cultura.
Supor que um show de prestigiados músicos de choro em homenagem a Ernesto Nazareth ou um documentário sobre a Irmandade da Boa Morte (entidade religiosa do Recôncavo Baiano que mistura Candomblé e Catolicismo Popular) vai concorrer com as atrações do Domingão do Faustão nas tardes de domingo é de uma ignorância constrangedora caso não seja apenas uma manobra para esconder o fato de que as mudanças na gestão do sistema de comunicação da Câmara atende aos interesses políticos e comercias de Eduardo Cunha.
Eu fico triste de a maior parte da classe artística e de produtores culturais não estar atenta a esse absurdo.
O povo sabe o que quer, mas o povo também quer o que não sabe.
Jean Wyllys é deputado federal (PSOL/RJ)
Foto: Facebook