Sobre crase e linguiça

por Artur Roman *

Há 25 anos, me dedico a estudar textos administrativos escritos de empresas. E tenho desenvolvido modelos redacionais que facilitam a produção de textos dirigidos a leitores que têm pressa, muitos textos para ler e pouco tempo para isso.
Acho interessante que invariavelmente recebo de empresas pedidos de “cursos de gramática”. Argumento que a mera explicitação das regras da gramática normativa não garante proficiência redacional e menos ainda eficácia comunicativa.
Explico que errar uma crase não é tão grave quanto uma pontuação inadequada. Muitos erros de concordância passam despercebidos. Já, um erro ortográfico compromete a estética do texto e desqualifica o redator e a empresa a quem representa. Frases longas, confusas, na ordem indireta, fazem mais estrago no cotidiano das empresas do que a eventual falta de um acento em uma palavra.
Meu objetivo, dentre outros, é deserotizar a nomenclatura gramatical e valorizar a aplicação das regras intrínsecas à língua, especialmente na organização sintática das ideias no texto.
Reconheço, porém, que temos um fascínio por nomenclaturas, não só do arsenal teórico de nossa língua, mas também de outras áreas do conhecimento. E ficamos seduzidos ao ouvir gramaticistas, advogados, palestrantes, médicos, economistas...apresentarem discursos enfeitados com conceitos sofisticados, ainda que não entendamos patavina do que está sendo dito.
Um dia desses, um amigo, tentando justificar seu apoio à Marina, ao seu projeto político caleidoscópico e às suas propostas econômicas neoliberais afinadas com os interesses dos EUA, desfiou uma série de expressões do economês.
Ouvindo meu amigo e percebendo sua insegurança na defesa de algo em que, no fundo, não acreditava, pensei: para milhões de brasileiros beneficiados pela política econômica inclusiva do governo do PT, não faz sentido discutir índices de crescimento do PIB, o comportamento dos preços das ações na bolsa, Dívida Pública Mobiliária Federal, balanço de pagamento, etc. Tampouco fazem sentido expressões como blue chips, IPO, C-BOND, circuit breaker, day trader, mercado de swaps... itens da gramática de um modelo econômico financeirizado que desestabilizou as potências econômicas do mundo.
Para esses milhões de trabalhadores resgatados da invisibilidade social, é importante ter uma "carteira profissional assinada", comer melhor, encontrar um médico no posto de saúde, morar em sua própria casa. E, quem sabe, até comprar um carro para estacionar nas vagas dos shoppings que sempre foram ocupadas apenas pelos únicos beneficiados pelas políticas econômicas anteriores ao governo do PT e que, certamente, sabem que toda proparoxítona é acentuada.
A direita quer o poder de volta. As pessoas que fazem parte do grupo que manda no Brasil há 500 anos provavelmente sabem alguma das muitas regras de concordância nominal, mas não sabem fazer oposição. Só sabem mandar e têm dificuldade de aceitar que os leitores preferem textos com frases curtas na ordem direta. Esse grupo, que distribui seu apoio entre os dois principais candidatos da “oposição”, não suporta a ideia de que é possível fazer um governo que distribua melhor a riqueza e os produtos culturais entre todos os brasileiros.
Sei que amigos meus ilustrados sabem analisar sintaticamente os versos do Hino Nacional, mas não querem (ou não conseguem) compreender porque temos o menor índice de desemprego deste 2002, com um PIB abaixo de 1%. É preciso mudar a gramática, ou seja, o modelo mental.
Não tenho nada contra a Marina. Mas tenho muito a favor da Dilma.
Não tenho medo que a Marina ganhe. Tenho medo sim que a Dilma perca, pois o Brasil irá perder muito. E de pouco vai adiantar saber que linguiça não tem trema, pois ela poderá voltar a faltar na mesa de muitos brasileiros…

* Comentário do blogueiro: Doutor em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP), Mestre em Lingüística de Língua Portuguesa e Especialista em Administração de Recursos Humanos pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Trabalhou como Analista na Unidade Gestão de Pessoas do Banco do Brasil. Não foi apenas mais um analista,: fez a diferença como instrutor da Empresa, criando a Oficina de Comunicação Administrativa do Banco do Brasil, a OCA. Com base em seus ensinamentos, também atuei como instrutor no mesmo curso, colaborando na equipe de instrutores para os funcionários tornarem a redação administrativa menos bacharelística e autoritária a e mais objetiva e democrática. Como exigem as organizações contemporâneas. Infelizmente, constato hoje que a Academia está atrasada em relação às demais organizações e precisa urgentemente ser "ocada".