Professores da UnB preparam novo currículo para o curso de Jornalismo

Vitor Sales


O Jornalismo será separado das demais habilitações do curso de Comunicação Social. As Diretrizes Curriculares foram discutidas por uma comissão de especialistas, entre 2009 e 2013, e homologadas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE).

O prazo para implementação das medidas nos cursos de Jornalismo de todo o país é de 2 anos, ou seja, até o primeiro semestre de 2015. Para a concretização do desquite, os professores da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (FAC/UnB) correm contra o tempo para adequar o currículo à nova legislação.

Juliana Perissê
Professor Fernando Paulino mostra a proposta para o novo currículo

O que mudará?

A habilitação de Jornalismo será um curso autônomo. Deste modo, haverá um concurso próprio no vestibular; diferente de hoje, em que o candidato tenta uma vaga para curso de Comunicação e, posteriormente, escolhe Jornalismo como habilitação.

Outras mudanças são: 50% das aulas serão compostas por atividades em laboratório ou práticas referentes a produção jornalística, e deverão ser dadas desde o primeiro semestre; a carga horária deverá subir de 2700 horas para 3000, sendo que 200 horas serão pra estágio supervisionado; abertura para matérias que contemplem conteúdos de assessoria de imprensa, empreendedorismo e de convergência com novas tecnologias; o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) será obrigatório e não poderá ser coletivo.

O recurso de dupla habilitação, utilizado no último semestre para o ingresso automático em outra habilitação, será exclusivo aos alunos que ingressaram na Universidade antes da mudança.


Proposta de currículo

Os professores da FAC analisaram e delinearam, na última sexta-feira (23), as matérias que irão compor cada semestre, seguindo os eixos requeridos nas novas diretrizes: Formação Profissional, Processos e Linguagens, Fundamentação Específica, Fundamentação Contextual e Fundamentação Humanística.  A medida é o primeiro passo na separação da habilitação, que hoje divide espaço com Publicidade e Propaganda e Audiovisual. Uma nova reunião para continuar a discussão está marcada para o dia 2 de junho.

Gleydson Lima

Na Faculdade de Comunicação (FAC/UnB)

Entre alunos e professores, e mesmo dentro desses grupos, não existe consenso. A aluna do quinto semestre de Publicidade, Sophia Costa, reclama que separação do curso diminui a interação entre os alunos e as áreas da comunicação. “Acho que o curso ser todo junto dá a possibilidade das pessoas descobrirem o que elas realmente gostam, além de estudar sobre outras áreas. Se separarem, o curso de comunicação, que já não parece ser completo, vai ficar menos completo ainda”, afirma.

Em relação às críticas apresentadas, a professora Dione Moura rebate: “Continuamos sendo uma faculdade de Comunicação. O aluno que entrar aqui para fazer o curso de Jornalismo ainda terá palestras, seminários, projetos de extensão, lançamento de livros e convívio com os outros cursos”.

Um dos pontos de desgaste junto aos docentes é a inserção de matérias de produção jornalísticas desde o primeiro semestre. Um dos professores alega: “Em nenhuma outra profissão se acredita que desde o primeiro semestre você pode ter um convívio contínuo com quem você atende, com quem você dá subsídio. Então por que no Jornalismo pode?”.

Entrevista

Eduardo Meditsch participou da formulação das Novas Diretrizes Curriculares do Curso de Jornalismo e deu entrevista ao Campus Online, apontando o contexto e justificativas das mudanças contidas no documento.


Campus – Qual a necessidade da separação do Jornalismo?

Eduardo Meditsch - O Jornalismo não vai se separar da área da Comunicação, vai se separar apenas do curso de Comunicação, que deixa de existir. O MEC entendeu que Comunicação não é uma profissão, mas uma área acadêmica, assim como a Saúde é uma área acadêmica e não uma profissão. E como os cursos de graduação, no Brasil, são voltados para as profissões, o curso de Comunicação vai deixar de existir e ser substituído por cursos de Jornalismo, Relações Públicas e Publicidade, etc.

O que isso afeta na formação e no exercício da profissão?

Na formação, o que se espera é que os cursos se tornem mais consistentes em relação a seus objetivos, através de uma coerência entre teoria e prática. Espera-se também que eles respirem mais uma cultura profissional do jornalismo, elevando a qualidade e a autoestima do exercício profissional desde a faculdade.

O que essa medida afeta no jornalismo como campo acadêmico?

O jornalismo como campo acadêmico deve ser fortalecido, na medida em que os cursos demandarão mais a formação teórica voltada para as necessidades da prática.

Que caminhos essa medida leva para construção de um novo Jornalismo?

Um novo jornalismo já está sendo forjado em muitas experiências que empresas, profissionais independentes e o setor público estão fazendo neste momento, na mídia tradicional e na internet, porque o velho Jornalismo está esgotando suas possibilidades. Não se trata da troca de uma mídia por outra, a crise é mais profunda e demanda a reinvenção urgente do Jornalismo que se tem feito até aqui. Por isso é necessário que os cursos não sejam tecnicistas nem tratem de uma teoria que pouco responde aos dilemas profissionais.

Que realidade o jornalismo pretende enfrentar com a autonomia do curso?

Talvez o melhor seria perguntar que realidades, assim, no plural. A que parece mais polêmica agora - o debate acirrado sobre as diretrizes e a oposição de muitos colegas comunicólogos - tende a ser superada na medida em que os novos currículos forem elaborados, e estes colegas percebam que não perderam tanto espaço como temiam.
A outra realidade é a necessidade de reinvenção do Jornalismo: já não bastará criticar o Jornalismo que temos aí, como se fosse um mero curso de Ciências Humanas cujo objetivo se esgota na crítica.
A sociedade espera que um curso de jornalismo aponte como o Jornalismo deve ser, assim como acontece nas outras profissões, e a universidade não pode abrir mão dessa responsabilidade. Como Paulo Freire dizia em relação à Educação, não basta a denúncia do que está mal, é preciso o anúncio do que deve substituir isso. E isso apenas uma ciência aplicada pode fazer.