Mea Culpa com privilégios democráticos

Por Antonio S. Silva

Domicio Pinheiro/AE – Blog da Boitempo

Talvez a sociedade, na sua maioria, esteja mesmo calejada em acreditar em apalavrados, ou seja, em desculpas que no final significam pouco, diante de quadro que se mantém favorável a uma minoria que mantém o poder político e econômico, e está muito bem obrigado

Inicialmente devo admitir que é difícil encontrar motivação e até mesmo tempo para discutir a Ditadura Militar. Está claro que foi um golpe político e econômico no Brasil com o apoio de uma direita, que permanece retrógrada; da classe média ávida pelos privilégios dos nobres e da sutil e eficiente imprensa brasileira, seguindo as lógicas dos grandes centros econômicos. O intrigante muitas vezes é acreditar que esta mistura tenha mudado tanto ao longo e depois dos 21 anos de poder militar, com mortes, censura e política de um partido só, em outras palavras sem democracia e participação popular.

Após a leitura dos jornais sobre o período militar em data de tomada do poder reacionário, alusiva aos dias que seguem, nas entrelinhas sobram marcas da defesa do golpe, do seu sistema de governo e de sua “democracia”. Mais a mais, significativa parte da mídia brasileira continua seguindo diretrizes econômicos dos grandes centros econômico, mesmo considerando as riquezas da América Latina, cuja região por tais razões permanece desconhecida por muitos brasileiros. Lastimável; e sinaliza uma ditadura de informações, que no final resulta em censura aos pontos positivos de uma cultura que resiste.

Para apenas um exemplo, em editorial, o Jornal Folha de S. Paulo, na sua edição de hoje (30)- da família Frias, com bom trânsito no poder econômico e político – afirma: “Isso não significa que todas as críticas à ditadura tenham fundamento. Realizações de cunho econômico e estrutural desmentem a noção de um período de estagnação ou retrocesso. Em 20 anos, a economia cresceu três vezes e meia. O produto nacional per capita mais que dobrou. A infraestrutura de transportes e comunicações se ampliou e se modernizou. A inflação, na maior parte do tempo, manteve-se baixa”.

Mais adiante faz sua mea culpa “Às vezes se cobra, desta Folha, ter apoiado a ditadura durante a primeira metade de sua vigência, tornando-se um dos veículos mais críticos na metade seguinte. Não há dúvida de que, aos olhos de hoje, aquele apoio foi um erro. Este jornal deveria ter rechaçado toda violência, de ambos os lados, mantendo-se um defensor intransigente da democracia e das liberdades individuais. É fácil, até pusilânime, porém, condenar agora os responsáveis pelas opções daqueles tempos, exercidas em condições tão mais adversas e angustiosas que as atuais. Agiram como lhes pareceu melhor ou inevitável naquelas circunstâncias”.

Aliás, este não é um “mérito” deste jornal paulista, mas de uma leva considerável de grandes jornalões que vão à público dizer que se erraram ao apoio o ardiloso golpe contra a maioria dos brasileiros, que exigiam mudanças sociais. A grande dúvida é se realmente mudaram sua postura de apoiar, ser contra e depois se desculpar, com milhares de mortes, sofrimentos e espoliação da identidade de uma nação. O que aumenta mais a dúvida é saber que nenhum dos algozes dos tempos de exceção foi sequer levados a julgamento, como ocorreu na Argentina e Chile.

Talvez a sociedade, na sua maioria, esteja mesmo calejada em acreditar em apalavrados, ou seja, em desculpas que no final significam pouco, diante de quadro que se mantém favorável a uma minoria que mantém o poder político e econômico, e está muito bem obrigado. Atingiu o seu objetivo. Entretanto, diante da instabilidade social, a linha editorial da grande mídia, porta-voz de parte significativa de grupos econômicos e políticos, aponta para apoiar novos golpes em defesa dos privilégios, contrariando muitas vezes o desejo das pessoas, que em última instância vão com energia às ruas. As desculpas pontualmente contradizem os atos de classes sociais que adoram privilégios democráticos.

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Antonio S. Silva é Jornalista e professor UFMT - Campus Araguaia.