Plágio acadêmico: ignorância, má fé ou problema estrutural?

“As ideias de que o estudante esqueceu as aspas, não conhecia a lei ou não fez por má fé, não têm muita importância se há provas materiais de que o plágio ocorreu”




Tornar-se pesquisador depende de um longo percurso, repleto de muito trabalho, leituras, aulas e produção escrita. No mundo acadêmico o conhecimento se consolida em artigos, ensaios, monografias, teses e dissertações que, para garantirem sua validade científica, devem ser textos criteriosamente produzidos e revisados. Ao escrever, o pesquisador deve ter o compromisso de reportar da forma mais fiel o possível a sua trajetória de pesquisa, os métodos empregados e os autores consultados. Negligenciar esses quesitos pode invalidar o trabalho acadêmico do ponto de vista do método científico ou, até mesmo, configurar crime. Usar textos, ideias ou imagens de terceiros sem mencionar a autoria é plágio, tema tratado pela lei 9.610 e pelo Código Penal Brasileiro.
Por Roberto Rodrigues, Rodrigo Miranda, Karina Froés, Rafael Amaral e Rodrigo Oliveira
“As ideias de que o estudante esqueceu as aspas, não conhecia a lei ou não fez por má fé, não têm muita importância se há provas materiais de que o plágio ocorreu”
A Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG, baseia-se nas leis válidas nacionalmente para nortear suas condutas diante dos casos de plágio, como informam Raíssa de Luca e Ana Luiza Gori, advogadas da Coordenadoria de Transferência e Inovação Tecnológica da UFMG, CTIT. Elas explicam que o direito autoral surge quando ideias são externalizadas ainda que sem um registro oficial, ou seja, quando o autor as expressa de alguma forma, por exemplo, por meio de uma publicação ou de um discurso. “Se crio uma poesia e a declamo em público, ali meu direito autoral passa a existir. Se alguém copia, cria-se um problema. Se eu não tenho o registro da minha propriedade, como posso prová-la? Principalmente se essa outra pessoa registrá-la antes. O registro não é uma prova inequívoca, mas resguarda o direito do autor.” pondera Ana Luiza. Segundo as advogadas, o registro é um importante instrumento de comprovação de propriedade de uma produção e, inclusive, garante a não divulgação de obras caso os autores assim o queiram. Ao autor é legalmente assegurado tanto o ressarcimento por dano moral, quando seu trabalho for usado indevidamente, quanto por dano material, para os casos em que o plagiador usa a obra de outrem para obter ganho econômico. Raíssa orienta que só o autor da obra pode mover uma ação judicial por plágio, o que explica porque muitas vezes as ocorrências de fraude não chegam à justiça e são resolvidas internamente nas universidades. Ana Luiza acrescenta: “Antes de recorrer à via legal, o autor pode solicitar a retirada do trecho plagiado. Mesmo em citações feitas de acordo com as normas, o autor pode considerar que a obra que o cita não é compatível com suas posições, e solicitar a retirada da citação.”
Na Universidade
Delfim Afonso Jr, chefe do departamento de Comunicação Social da UFMG, compartilha da ideia de que a universidade deve fazer cumprir as leis do país sobre propriedade intelectual e explica que professores e colegiados dos cursos são responsáveis por intervir e orientar os estudantes sobre o plágio.
De acordo com Delfim, a graduação e a pós-graduação são áreas que recebem tratamentos diferentes em relação ao rigor na punição de trabalhos plagiados. Na graduação, os professores que encontram sinais de cópia em um trabalho acadêmico têm o direito conferir nota zero, mas não podem reprovar o aluno diretamente – pois todos os estudantes de graduação têm direito ao “exame especial”, que é uma última oportunidade de obter o mínimo de pontos para se concluir uma disciplina na universidade. Entretanto há professores que optam por advertir verbalmente os alunos que cometem esse tipo de irregularidade, cancelando seus trabalhos e fazendo dessa situação uma oportunidade para se aplicar uma “discussão ética, jurídica e de responsabilidade com o trabalho intelectual”, benéfica para todos os alunos em sala de aula.
Já na pós-graduação, exige-se um maior rigor quanto à punição da prática do plágio, por se tratar de um ambiente teoricamente mais “qualificado” de produção intelectual. “As ideias de que o estudante esqueceu as aspas, não conhecia a lei ou não fez por má fé, não têm muita importância se há provas materiais de que o plágio ocorreu”, diz Delfim.
Alunos e professores: opiniões semelhantes, práticas nem tanto
Seja qual for o nível de formação, o que se espera de um estudante é o empenho criativo na construção do próprio conhecimento, de forma que ele tenha capacidade de articular as próprias ideias. Há, no entanto, aqueles que procuram um caminho mais “fácil” – e a internet tem sido a ferramenta mais utilizada para isso. O mestrando em Filosofia pela Universidade Federal de Ouro Preto, Rafael Abras, conta que um texto seu foi copiado e apresentado por seus alunos como obra inédita. Na ocasião, Rafael lecionava a disciplina “Lógica e Linguagem da Filosofia”, para a turma do 2º período da graduação em Filosofia. Ele descobriu que os alunos buscaram o texto na internet e sequer leram o conteúdo, quando certamente teriam constatado que a autoria era do próprio professor.
A estudante de Comunicação Social, A.C.* já foi penalizada por plágio. Ela conta que em um trabalho em grupo uma das colegas colou no texto uma frase copiada da internet e, mesmo tratando-se de apenas uma linha, o professor descobriu a fraude. Além de dar zero na avaliação do trabalho, o professor ainda remeteu aos alunos uma mensagem informando o artigo do qual a frase havia sido copiada sem referência ou citação, bem como o verdadeiro autor do texto e o link que o disponibilizava na internet. De acordo com A.C, o professor também falou que levaria o caso à reitoria, onde seriam abertos processos disciplinares que poderiam até resultar em expulsão da universidade. Sobre a nota, A.C. achou que o zero foi merecido: “Foi, porque não é certo copiar algo da internet, e nisso eu concordo. Ao mesmo tempo, foi injusto comigo e minha outra colega, que não fizemos a cópia. Mas o trabalho era em grupo, a responsabilidade não era só dela, era de todas. Fazer o quê? Cópia é cópia.” Sobre os motivos que podem levar alunos a plagiarem, A.C. destaca a falta de tempo: “Você está sem tempo pra fazer… Acha algo na internet que fala exatamente o que você quer falar e copia na esperança de que o professor não perceba”.
Outra aluna de Comunicação Social, a estudante Luana Flávia, do primeiro período, considera que o plágio é uma conduta antiética. “Eu acho erradíssimo, muito antiético você pegar o trabalho de outra pessoa e colocar como seu. Se terminar sua universidade assim, que tipo de profissional você vai ser?” diz Luana. Pedro Pinho e Adélia Oliveira, também graduandos em Comunicação, concordam que o plágio é uma prática ruim, mas foram enfáticos ao afirmar que as normas de citação não são suficientemente divulgadas. Adélia explica: “Às vezes, precisamos achar um documento explicativo por conta própria. Isso é uma coisa que precisamos fazer, mas nem sempre o documento é compreensível. É confuso, as coisas não são bem explicadas, algumas regras são parecidas e você não sabe o que usar.”
Delfim esclarece que, do ponto de vista formal, o estudante tem direito de contestar as acusações de plágio em quatro instâncias. A primeira é recorrer ao Colegiado, que exigirá as evidências de fraude constatadas pelo professor. O material será avaliado e aceito, ou não. Se não estiver convencido da decisão colegiada, o aluno pode entrar com um pedido de revisão junto à Congregação da Unidade Acadêmica, que deverá constituir uma comissão ou eleger alguém que vai dar um parecer e avaliar o processo inteiro para decidir quem tem razão. Caso o aluno insista que não plagiou, embora todas as instâncias tenham confirmado a avaliação de fraude dada pelo professor, esse processo vai para o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da UFMG. “Esse é o último recurso interno que o estudante tem. Se ele perde nessas etapas, ainda é possível recorrer à Justiça comum”, expõe Delfim.
Mesmo admitindo que existe certa falta de orientação por parte dos mestres, a professora do curso de História, Natália Barud, acredita que o plágio não deve ser relevado em nenhuma circunstância.
- Algumas pessoas fazem por falta de honestidade intelectual, outras por desconhecerem os manuais acadêmicos e acreditarem, equivocadamente, que copiar um texto alheio e mudar algumas frases não se caracteriza como plágio. Para mim, o plágio não é desculpável em nenhum contexto. É uma prática que precisa ser coibida, mas é preciso também que os professores orientem os alunos da existência do limite tênue que entre a inspiração na ideia de outros autores e a cópia propriamente dita. Copiar um texto na internet tomando para si a autoria e escrever um texto inspirado nas ideias de outros autores, são coisas completamente diferentes. – afirma a professora.
Para Natália, o diálogo entre professor e aluno, visando esclarecer os limites da utilização de ideias de outros autores, é a melhor forma de punir e também de evitar os casos de plágio.
- Como professora, nunca constatei nenhuma irregularidade. Acho que minha atitude inicial, se constatasse, seria propor um diálogo franco, não para humilhar o aluno, mas para explicar a seriedade de tal ação. É necessário que exista uma punição, mas ela não precisa ser pública. Muitos casos podem ser resolvidos apenas com uma conversa entre professor e aluno. Ele obviamente seria punido com a nota, mas acredito que não é a punição de corrige tal prática, mas a compreensão da seriedade do ato praticado.
O professor do Departamento de Psicologia Fábio Belo concorda.
- É preciso muita conversa, né, explicitar que o trabalho de citação é bem vindo; que não há nada de errado em citar, em dialogar com ou autores. Eu acho que é mais apontar para essa prática do trabalho acadêmico, do jogo de linguagem da academia, que é um jogo de linguagem do diálogo, da citação. E explicitar que além de ser feia essa prática, que é uma mentira, uma tentativa de engodo, de engano, o aluno está deixando de se colocar como sujeito num determinado momento, e isso é se acovardar diante da pergunta do outro. Ele deve se colocar, mesmo que seja para falar alguma coisa que ele ache que é pouco valiosa, que não tem muito sentido, etc.
Fábio também defende a punição com a nota. “Geralmente é zero, só, e a coisa fica por ali. O aluno não é processado administrativamente, não é levado a responder por essa atitude de uma maneira mais séria. Fica um pouco por isso mesmo.”
No entanto, há também acadêmicos que já empregaram o plágio durante a graduação. Helenice Vieira, mestre em Nutrição Animal pela Universidade Federal de Viçosa, admite que já usou como seu o texto de outros autores, no início de sua vida acadêmica. Segundo ela, construir o próprio pensamento a respeito de um tema é uma tarefa difícil, especialmente quando a disciplina não provoca o aluno à reflexão, ou quando há pressa para produzir um texto. “Muitas vezes fiquei tentada a usar a frase de outro autor, é uma armadilha que chega a ser uma questão de autoestima. Você se coloca diante do autor numa posição inferiorizada, acha que nada vai ficar tão bom.” Helenice acredita que a questão do plágio relaciona-se com a postura do aluno diante do desafio de escrever e com o tipo de educação a que ele teve acesso. “Na educação formal os professores falam que plágio não pode, mas na sala de aula eles não levam o aluno à reflexão e, depois, exigem isso nos trabalhos. O estímulo à leitura leva a uma postura mais crítica, gerando no aluno a capacidade de distanciamento para que ele tenha o próprio ponto de vista, autoconfiança” – conclui Helenice.
Autoria faz sentido?
Bráulio de Britto, pesquisador do Grupo de Estudos em Mídia e Esfera Pública, aprofunda a avaliação do plágio como parte de um problema estrutural. “Cansei de dar zero em trabalho de estudante de graduação por plágio. Dependendo do grau de mercantilização do ensino, o plágio é mais tolerado ou menos tolerado como parte da encenação de um ensino sério.”
Bráulio afirma ainda que o plágio não se dá apenas na direção aluno/professor – o contrário também acontece. “É mais fácil pegar o plágio dos orientandos que dos orientadores, não é? Aquele que tem produção acadêmica de maior visibilidade aproveita a de quem tem menor visibilidade, e isso também é e difícil controle”. No que se refere a instituições de ensino públicas, o professor considera que o plágio, ao mesmo tempo que é combatido com rigor, é também praticado com astúcia. Ele diz: “A verdade é que existe mais plágio do que se pode controlar e, eventualmente, quando isso acontece, é motivo de escândalo – gerando constrangimento (como quando alguém da banca é o plagiado) e dano para reputação do pesquisador de maneira indelével. É uma coisa que não se deve fazer, é um pecado mortal da produção acadêmica”.
Bráulio problematiza que o plágio é derivado de uma concepção – segundo ele, infundada – de que as ideias têm autores e causas definidos. Ou seja, de que uma única pessoa é responsável por uma ideia. Segundo Bráulio, as ideias são muito mais uma produção coletiva do que individual. “As academias gregas clássicas incorporavam a noção de que não faz sentido o trabalho intelectual ser uma propriedade. Essa noção só se torna dominante na Modernidade, com a configuração do capitalismo e do individualismo.”
Para o pesquisador, a lógica de apropriação individual do trabalho intelectual cria um critério de avaliação da produção acadêmica que é quantitativo, e não qualitativo, e estimula o plágio. “No momento em que o conteúdo for percebido, as coisas vão ser descartadas como irrelevantes, ou como redundantes, ou como inconsistentes, e não por serem repetições”.
Seja por má fé, ignorância, ou um problema no sistema de produção acadêmica, uma coisa é certa: plágio é crime, causa punições legais e institucionais. E ainda por cima, é uma péssima propaganda.

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