Vida dura como concreto


por Gláucia Margareth Rocha Olivieri e  Jusciane Fagundes Rodrigues

Fernando Lopes da Cunha, 27 anos, solteiro, nascido em Araguaiana (MT), é trabalhador braçal, servente de pedreiro da empresa terceirizada Transportadora e Construtora Vital, responsável pela adaptação e reforma do prédio do restaurante universitário da Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT/CUA, em Barra do Garças. Ele reclama de fortes dores nas costas quando “faz muito concreto”, pois considera esta a parte mais pesada do seu trabalho. Sua fala triste demonstra um destino também triste e sem perspectivas. Ele mesmo diz: “Sempre serei servente!”.

 No começo arredio, Fernando foi se sentindo mais confiante na entrevista e falou que, se um dia puder, deseja se tornar advogado e trabalhar na região, pois considera que seu serviço como “servente não é importante”, não é valorizado. Mostrou, assim, que, apesar da dureza e da falta de perspectiva, há, sim, um clarão adiante.


Ele trabalha das 7 às 17 horas, tem intervalo para almoço e recebe uma diária de R$ 40.  Fernando é analfabeto funcional, estudou somente até a primeira série e parou porque queria muito ser jogador de futebol. Por ser pobre não teve oportunidade de realizar o sonho. E hoje lamenta: “Não sonho, não tenho sonhos!”.


O servente diz que não há futuro sem estudo, mas não tem tempo para se dedicar aos livros por sentir cansado e desanimado quando retorna para casa, depois de um dia extenuante de trabalho. “Fica no sonho”, reafirma.
           


Uma grande saudade

Sua vida mudou totalmente quando, há dez anos, o irmão gêmeo Hernandes foi assassinado na cidade de Querência (MT). O motivo foi o envolvimento com uma mulher casada, que culminou com a vingança do marido. Com voz introspectiva e própria de gente humilde se arrasta para dizer que eram muito unidos. “A morte dele mudou minha vida, fiquei revoltado. A polícia investigou, mas não conseguiu prender o assassino. Eu queria matar o cara, mas não consegui encontrar”.


Indagado sobre se teria realmente coragem de matar, ele afirmou com veemência, atualizando a possível ação: “Tenho!”. E prosseguiu dizendo de maneira emocionada: “A gente era muito unido e fazia tudo junto. Se ele tivesse vivo, ele me ajudaria e eu ajudaria ele. Depois que ele morreu acabou a ‘ajudação’ e eu me sinto muito triste e só”.

Fernando contou que a morte do irmão o levou à internação por três anos numa clínica psiquiátrica pública em Cuiabá, para aprender a conviver com a dor e a perda. Foi levado para lá pelo pai, seu José.


A caminhada


 Criado somente pela mãe, dona Raquel, teve uma infância sofrida, pois os pais haviam se separado e passou por grandes privações com os quatro irmãos (três homens e uma mulher), como a falta de alimento. “Não era sempre que tinha comida. Minha mãe saia na rua pedindo ajuda pras pessoas conhecidas. A gente dormia com fome, era muito ruim”.

Teve um relacionamento por um ano com Silvana, moça um ano mais velha, mas não continuaram juntos. Morava no bairro São José, próximo à UFMT, porém logo se mudou por causa das gangues, bocas de fumo, usuários de drogas e presença frequente da polícia fazendo “batidas”.

Atualmente, mora com os pais no Novo Horizonte, um bairro mais tranquilo, nos arredores da UFMT.


(Texto elaborado na Oficina de fontes não-oficiais, ministrada pelo professor Gibran Lachowsky durante o I Simpósio de Jornalismo e Direito.)  


Legenda da foto à esquerda: Fernando revela dificuldades enfrentadas no trabalho 
Legenda da foto à direita: Operário constrói o RU do UFMT/CUA
(Fotos: Jusciane Fagundes Rodrigues)