10 lembranças do jornalismo online 1.0


Linha discada, Netscape Navigator… Mario Cavalcanti e Pollyana Ferrari relembram algumas particularidades dos primeiros anos do jornalismo online.

Se pensarmos que em 1995 não tínhamos Google, Facebook, YouTube, Twitter, download de músicas no iTunes, download de filmes no Netflix; que o cidadão comum não protagonizava uma reportagem em tempo real, gravando o acontecimento com seu celular, talvez começaremos a achar que não se fazia jornalismo online nessa época. Pois bem: em 1995, o Jornal do Brasil inaugura o primeiro jornal online do país, o JB On-line. Em 1996, o Grupo Folha lança o Universo Online (UOL) e a Nutec, o ZAZ, e usuários de Internet no Brasil não passam de 100 mil. Relembramos abaixo algumas particularidades do jornalismo online 1.0.
1. SHOVELWARE
Trata-se de um jargão tecnológico depreciativo com vários significados. Ele diz respeito, por exemplo, a um software que foi portado de uma plataforma para a outra sem a atenção necessária, resultando em algo inferior. Mais comumente usado nas redações dos Estados Unidos, o termo descreve os primeiros jornais online que eram meras reproduções – muitas vezes simples digitalizações – da versão impressa, resultando em algo pobre. Por volta de 1994 e 1995, quando muitos grandes jornais - inclusive no Brasil – começaram a publicar seus conteúdos na Internet, não se tinha aquela noção do que poderia ser feito no meio online. Tempo real? Interatividade? Isso não era algo muito explorado. Muitos eram simples cópias do papel.
Netscape Navigator2. NETSCAPE NAVIGATOR
Lá por volta de 1996, era o que a grande maioria dos usuários usava para navegar e para ler notícias na Web. Isso até o Internet Explorer, da Microsoft, começar a ganhar proporções maiores, iniciando a clássica Guerra dos Browsers. Se você não vivenciou a época de triunfo do Netscape Navigator, pode imaginá-lo, em termos de popularidade, como sendo o Firefox ou o Chrome nos dias de hoje, mas sem muitos concorrentes. Para se ter uma ideia, o Safari, browser padrão dos sistemas da Apple, só viria a ser lançado em 2003. As versões 3.0, 4.0 e 4.5 talvez tenham sido as mais emblemáticas.
3. LINHA DISCADA
Imaginem o trabalho de apuração, checagem e mesmo publicação da notícia usando linha discada, também conhecida como dial-up. Nesse tipo de conexão à Internet, onde era usado um modem e uma linha telefónica para fazer a ligação com o provedor, a velocidade média era de 56 kbps. E hoje achamos 5 GBPS pouco.
Câmera digital Sony Mavica4. SONY MAVICA
Entre 1998 e 2000, vários repórteres de portais utilizavam no dia a dia câmeras Mavica, fabricadas pela Sony, cuja principal característica era gravar fotos (em formatos de arquivos de imagem) em disquetes de 1.44 MB. Era uma briga para ver qual repórter ia para as ruas com a Mavica. E quando se esquecia o disquete no táxi? Relativamente grandes e pesadas, pareciam uma bolsa a tiracolo, mas a facilidade que o repórter tinha de realizar sozinho a pauta e fotografar eram imbatíveis, pois se ganhava tempo durante a edição.
5. HTML NA MÃO
Isso mesmo. A maioria dos sites que acessávamos entre 1995 e 2000 eram feitos “à mão”. Alguns webmasters se gabavam de mexer no código HTML direto no bloco de notas, reclamando que usar o editor HotDog sujava o código fonte. Depois, surgiu a primeira versão do Macromedia Dreamweaver, da Adobe, que funcionava como um simples editor HTML do estilo WYSIWYG (“What You See Is What You Get”, ou “O que você vê é o que você tem”). No final da década de 90, o Microsoft FrontPage era o concorrente direto do Dreamweaver, mas os programadores reclamavam que o código HTML ficava um lixo. Muitos jornalistas foram fazer curso de HTML para poder mexer mais rápido na edição das páginas dos sites de revistas, jornais e portais.
6. FEBRE DOS PORTAIS
Vivíamos a fase áurea dos portais no Brasil (AOL, iG, O Site, StarMedia, UOL, ZAZ, Zipnet, entre outros), que tentavam atrair e manter a atenção dos usuários ao apresentar, na página inicial, chamadas para conteúdos díspares, de várias áreas e origens: notícias, entretenimento (chats, jogos, páginas pessoais etc.), serviços como previsão do tempo, estradas e muito mais.
7. DISCOS VIRTUAIS
Entre 1997 e 2000, o marketing dos portais usava chamarizes como a oferta de discos virtuais, sites que disponibilizavam um espaço em seus servidores para o usuário armanezar, gratuitamente, qualquer tipo de dados. Se não nos falha a memória, era algo em torno de 10 a 50 MB. Hoje a ideia volta com o conceito de Cloud Computing e, claro, com muito mais espaço.
Freeloader8. FREELOADER E SURFBOT
Na era pré-RSS, existiam alguns programas-robôs que tinham por objetivo visitar sites (inclusive os noticiosos), verificar se o conteúdo havia sido atualizado e informar ao usuário. Os mais conhecidos eram o FreeLoader e o SurfBot. No auge da conexão via linha discada, o usuário podia programar as varreduras desses robôs para os horários em que as tarifas telefônicas eram mais baratas e deixar para ler o conteúdo, offline, no dia seguinte. Era preciso informar aos programas quais sites eles deveriam visitar. No FreeLoader, os endereços eram indicados no campo “Subscribe to URL”.
9. NOTÍCIAS WAP
O Wireless Application Protocol (WAP) é um protocolo de rede utilizado para comunicação em dispositivos sem fio, como celulares. Em 1999, os portais iG e UOL anunciaram que seus usuários com celulares equipados com a tecnologia WAP receberiam notícias no celular. Imaginem como era produzir esse conteúdo e mesmo receber por linha discada a 56 Kbps.
10. BLOGS COMO DIÁRIOS VIRTUAIS
Em 1994, o jovem americano Justin Hall, na época com 21 anos, começou um blog porque se sentia sozinho. “Nós necessitamos de mais amigos e mais ouvidos simpáticos, pessoas que possam ouvir nossas histórias e contar-nos as suas próprias, ou nos dizer onde elas foram mudadas (…) Nos ajudam a afirmar a nós mesmos”, declarou o autor do blog Justin’s Links from the Underground. Em 1997, o cineasta americano Doug Block, com ajuda de Justin, começou o próprio blog, desembocando posteriormente no filme documentário Home Page, sobre a vida de alguns blogueiros. No Brasil, a febre dos blogs pessoais aconteceu a partir de 1997, tendo seu ponto alto em 2000. Nessa época, criou-se o estigma de que blogs eram diários virtuais de adolescentes.
Tem alguma lembrança do jornalismo online 1.0? Deixe um comentário abaixo.
*Mario Lima Cavalcanti é editor do Jornalistas da Web.*Pollyana Ferrari é doutora em Comunicação Social pela USP e professora da PUC-SP.