Cases “clássicos” de crise realmente seriam sucesso hoje?

Estudos de casos podem ser excelentes para compreender gestão de crises. Mas a morte recente do ex-vice-presidente de RP da Johnson&Johnson, durante a crise da empresa de 1982, renovou o interesse em saber se o notório caso do Tylenol é realmente um case “padrão ouro”, como muitas vezes tem sido rotulado.

A reflexão sobre o caso Tylenol, muito oportuna em tempos de Internet e mídias sociais, foi publicada no fim do ano passado, no site Managing Outcomes, editado por Tony Jaques, Diretor da empresa Issue Outcomes Pty Ltd., que trabalha com gestão de crises.

Lawrence Foster era o PR da J&J, quando sete pessoas de Chicago morreram, após tomar cápsulas do analgésico (Tylenol) misturadas com cianeto. A morte do ex-executivo levou a mídia a relembrar a crise, repetindo a alegação comum de que a “resposta rápida e eficaz” da J&J representou um “padrão ouro” do que deve ser feito numa crise grave. Esse “case”, junto com o vazamento do Exxon-Valdez (1989), a ameaça de uma crise nuclear na Usina Three Mile Island (1979) e a tragédia em Bhopal, na Índia, (1984), são sempre citados como “clássicos” para estudo de gestão de crises.

Depois de uma perda de lucro inicial, quando a empresa rapidamente removeu o Tylenol das prateleiras, a J&J conseguiu reverter o resultado e, com rapidez, recuperou omarketing share. O público deu à empresa um crédito, ao perceber que a saúde das pessoas, com as ações empreendidas, era um valor mais importante do que o lucro.

“É provavelmente verdade, como alguns especialistas alegam, que a origem da gestão de crise, como uma disciplina moderna, pode ser rastreada até o caso do Tylenol." Muitos especialistas apontam esses casos clássicos, principalmente o do Tylenol, em 1982, como um divisor de águas no estudo do Crisis Management. Entretanto, agora há dúvidas se o  gerenciamento da crise em si tem alguma utilidade para os profissionais de hoje.

“Após as setes mortes de Chicago, a J&J iniciou uma série de recalls limitados, mas levou cinco dias para implementar um recall em todo o país. Hoje, em um mundo que funciona 24 horas por dia, sete dias por semana (24/7), no qual as notícias não param nunca, é provável que essa resposta não iria atrair elogios pela rapidez, mas sim críticas pela demora. Além disso, durante o recall, a J&J usou deliberadamente o nome de sua filial de produção em uma aparente tentativa de proteger a marca da empresa.

A grande sacada da empresa, sempre lembrada, foi relançar o produto em uma nova embalagem inviolável, ganhando mais elogios para o “case”. Mas, lembra Tony Jacques, quatro anos depois, houve uma nova morte nos EUA, em decorrência de outro Tylenol envenenado com cianeto (o selo de segurança estava intacto).

“Depois de uma nova demora no recall, a companhia finalmente substituiu de vez as cápsulas vulneráveis por cápsulas sólidas mais seguras. O CEO James Burke chegou a admitir mais tarde que tinha sido um erro reintroduzir as cápsulas e que estava arrependido pelo atraso da troca.”

“Então, quão relevante é esse clássico estudo de caso hoje? A resposta tem de ser: ótimo para demonstrar o poder persuasivo do PR, mas não tão grande para a resposta à crise. Além disso, a companhia pareceu ignorar em grande parte o valor de um planejamento de crise eficaz."

Durante a crise de 1982, eles admitiram que não possuíam um plano formal de crise e foram assessorados pela “Credo Company”, empresa que vem de 1943. No entanto, em 2000, ao contrário da prática moderna, admitia-se que a companhia parecia ainda acreditar que nenhum treinamento especial seria necessário para os execultivos estarem preparados para situações de crise. O que, sabemos hoje, é um tremendo erro.

“Então o que a J&J aprendeu? É difícil dizer. Mas desde 2010 a empresa tem sido seriamente prejudicada por um catálogo de crises, incluindo defeitos de fabricação de alto perfil, incluindo outros problemas com o Tylenol, multas corporativas e grandes custos emrecalls. O último recall ocorreu em setembro de 2012”.
“Os norte-americanos John Pauly e Leise Hutchison disseram certa vez que os estudos de caso publicados são, muitas vezes, “uma ficção escrita após o fato, criada para fazer a prática de relações públicas mais real.” Agora que Lawrence Foster, da J&J, descansa eternamente em paz, talvez seja a hora de fazer o mesmo com o mitológico “padrão ouro” do caso Tylenol.”

Alguns autores de livros mais recentes sobre Crisis Management citam o caso Tylenol, mas fazem a ressalva de que as ações de contenção da crise da J&J só foram efetivas pela época em que aconteceram.
“A empresa levou oito dias, após as primeiras mortes serem anunciadas e após outro caso de envenenamento do Tylenol ser descoberto na Califórnia, para decidir pelo recolhimento das cápsulas. Como se vê, nos dias atuais, com a cobertura da mídia praticamente online, esse timing seria fatal. A empresa estaria fatalmente condenada pela lentidão em tomar uma decisão”. (Gestão de Crises e Comunicação, Forni,J.J. Atlas, 2013).

(Colaboração e tradução: Jessica Behrens).