Sebastião Salgado: o fotógrafo da dignidade

por Alexandre Haubrich

O fotógrafo Sebastião Salgado, que acaba de lançar o livro Gênesis, concedeu na noite desta segunda-feira uma entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura. Cada entrevista de Salgado é uma aula não apenas de fotojornalismo, mas de humanidade. O maior fotógrafo brasileiro mostra a cada fala que um jornalista precisa fundamentalmente de humildade e percepção de totalidade para poder retratar o mundo que tem à volta.

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Para além da técnica fotográfica, Salgado fala sobre vida, sobre humanidade e, mais do que isso, sobre o mundo. Fala sobre a dinâmica da Terra, sobre a vida existente em cada canto e sobre a necessidade de compreender essa totalidade para conseguir narrá-la – seja através de fotografias, seja através de textos. O respeito e a dignidade com que Sebastião Salgado trata árvores e geleiras falta à imensa maioria dos jornalistas na hora de tratar seres humanos. Desnaturalizar as relações construídas em nossas cabeças é a primeira lição que Salgado ensina. Perceber para além do óbvio, do automático, integrar-se ao contexto, é um esforço que exige raciocínio histórico e contextual e uma grande dose de humildade.
Em tudo – seres humanos, animais selvagens, meio ambiente – Salgado fala na busca por fotografar “a dignidade”. Também por isso fotografa sempre em Preto e Branco, para que as cores não atrapalhem a tarefa de mostrar melhor essa característica de cada ser, de cada espaço registrado. Dignidade. Ele conta que se arrastou sobre os cotovelos para colocar-se no nível de uma tartaruga com quem se via obrigado a interagir – e queria fazê-lo – para fotografar. Uma situação que lembra o distanciamento que se colocam jornalistas frente ao “objeto” de suas matérias, reportagens, fotografias. Por isso não são capazes de compreender as ruas, muito mais mundo do que as redações em que se entrincheiram fugindo da sociedade que não dialoga com seus manuais de redação e com o que lhes foi ensinado pela mediação dos conglomerados.

Sebastião Salgado fotografou durante anos o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra. Também durante anos retratou trabalhadores produzindo em todo o mundo, e percebeu a globalização da exploração. Depois, passou anos acompanhando processos de êxodo, forçados justamente pelo modelo social que possibilita a exploração e a concentração de terra. Retratou também o desespero na busca do ouro em Serra Pelada, mais um enquadramento de um mesmo sistema social. Por fim, foi buscar soluções nas raízes, e em seu Gênesis fotografou os lugares mais “puros” do planeta, incluindo paisagens, animais selvagens e seres humanos que se mantêm afastados da sociedade capitalista.
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A vida e a obra de Sebastião Salgado são grandes lições de jornalismo, de fotojornalismo, de humildade e de humanidade, conceitos cuja origem e ideia parecem enormemente distantes da prática que domina nossa sociedade tal qual está hoje organizada. Um dos entrevistadores lembrou que todo fotojornalista dorme sonhando em ser Sebastião Salgado. Antes fôssemos todos os seres humanos um pouco mais Sebastião.