Um viva às conquistas... mas a rua é pública

Por Gibran Luis Lachowski, jornalista e professor do curso de Comunicação Social da Unemat\campus de Alto Araguaia

Realmente a semana que passou... não passou. Está na história política do Brasil. E foi construída, sobretudo, por uma gente nova, que ainda não havia mostrado seu rosto tão visivelmente e com tanto vigor.

As passeatas se espalharam por dezenas de cidades. Das maiores, como São Paulo, com 11,2 milhões de habitantes, às menores, tal qual Alto Araguaia\MT, com 15,7 mil pessoas.

O número de manifestantes superou a marca de 1,5 milhão. É muita gente nas ruas fazendo reivindicações! E o Brasil não via isso desde os comícios das “Diretas Já!”, em 1984, quando se lutava pelo retorno do voto universal e pelo fim da ditadura.

As movimentações já conseguiram reduções nas tarifas de transporte coletivo. Forçaram o governo federal a reunir ministros, governadores e prefeitos para apresentar uma proposta conjunta, sobremaneira em relação às áreas de saúde, educação, mobilidade urbana e mecanismos de combate à corrupção.


Avaliação
Essas imediatas conquistas devem ser comemoradas. E representam um sinal evidente de que formas tradicionais de se fazer política são, no mínimo, questionadas.

Isso serve aos partidos e às organizações de direita, patronais, de industriários, comerciários, agropecuaristas, banqueiros. Trata-se de uma ala da sociedade que imagina e luta por um Brasil cada vez mais dela, com menos impostos (para ela), mídias livres (para ela), educação cada vez mais adaptada ao mercado e pouco questionadora quanto ao status quo.

Essas movimentações novas também servem de análise aos partidos e às organizações de esquerda e centro-esquerda. Afinal, é inegável que os avanços conquistados, sobretudo desde 2003 em nível federal, se deram, também, à custa de uma diminuição de pressões nas ruas. E isso não é bom para a construção de uma democracia participativa, que, obrigatoriamente, precisa ter uma relação de independência por parte das organizações quanto ao governo eleito.

Portanto, as movimentações novas dão uma forte estremecida na sistemática política, baseada nos acordos feitos em nome da governabilidade. É hora de enxergar a população nas ruas como principal protagonista social e político de um país, seja ela mais ou menos organizada, com lideranças explícitas ou diluídas, pautas definidas ou difusas. Se ela não for vista assim, imporá vigorosamente esta concepção.   

Vias abertas
Agora, é bom lembrar que a rua é pública! É de todas e de todos! É nossa! E que, apesar da imensa contribuição para a democracia participativa, as atuais manifestações não podem, jamais, ter um caráter seletivo, excludente. Porque assim se passa facilmente ao autoritarismo, à postura ditatorial, fascista.

Por isso é bom olhar para trás. Ainda que não se veja no Brasil há décadas tantos protestos e com tanta gente, isto não significa que as mobilizações sociais tenham começado dias atrás.

Milhares de dirigentes e membros das bases de sindicatos, partidos, ongs, associações e movimentos sociais estão há muito tempo na luta. E, de certo modo, mostraram aos mais jovens a importância de se batalhar para ter um país melhor e mais justo.

Salário mínimo, 13º salário, jornada de 8 horas diárias de trabalho, férias e o direito universal ao voto não caíram do céu. A conquista de espaço e importância da mulher na sociedade, assim como a política de cotas para negros e indígenas, também não. Da mesma forma, o maior acesso ao ensino superior, a diminuição da pobreza e da miséria, a redução do desemprego ao nível de pleno emprego no Brasil, o aumento do poder de compra da população...

Tudo isso foi resultado da caminhada diária de homens e mulheres que ousaram erguer suas bandeiras contra governos e empresários hostis à democracia. Que tiveram a humildade e a inteligência de dialogar com pessoas que também sofriam muito, mas não percebiam quem eram seus algozes e nem acreditavam ser capazes de transformar a situação.

Uma parte dessa riqueza histórica encontra-se em diversos materiais didáticos, entre eles o livro-agenda 2013 “Lutas, revoltas, levantes e insurreições populares – no Brasil dos séculos XIX, XX e XXI”, de autoria do Núcleo Piratininga de Comunicação. Trata-se de um organismo voltado à comunicação popular e alternativa, com sede no Rio de Janeiro. Pois essa agenda mostra que “o gigante” sempre esteve acordado e que esta história de que o povo brasileiro é passivo não passa de mais um discurso de direita para impedir efetivas transformações sociais.


Exemplos
Alguns dados históricos contidos na agenda:
- em 1929, comício do 1º de Maio convocado pelo PCB, no Rio de Janeiro, com participação de mais de 50 mil pessoas, cuja reivindicação maior era a regulação da jornada de trabalho em 8 horas\dia;
- cerca de 60 mil manifestantes em 1953, em São Paulo, na “Passeata da Panela Vazia”, contra o alto custo de vida;

Outros:
- mais de 100 mil pessoas em assembleia sindical no estádio da Vila Euclides em São Bernardo\SP, em 1980;

- em 1984, comício com 1,2 milhão manifestantes em volta da igreja da Candelária, no Rio, em defesa da emenda das “Diretas Já!”;
- em Goiânia, pela mesma causa e no mesmo ano, 300 mil.

A década de 90 também foi marcada pelas mobilizações contra as privatizações da Vale do Rio Doce, da energia elétrica e da telefonia, por passeatas de dezenas de milhares de pessoas lideradas pelo MST.

Nos anos 2000:
- várias edições do Fórum Social Mundial, grande reunião de movimentos sociais na luta contra o capitalismo e por um novo tipo de sociedade, tendo primeiro ocorrido em 2001, em Porto Alegre\RS, com 200 mil pessoas de 117 nações;
- em 2011, levante em defesa de direitos trabalhistas promovido por 22 mil operários do canteiro de obras de Jirau, próximo de Porto Velho\RO, contratados para a construção da usina hidrelétrica do rio Madeira.


Portanto...
Vamos engrossar a luta... de mãos dadas. E caminhando para o entendimento de que uma movimentação consegue mais resultados quando é orientada por uma consciência de classe. Ou seja: se queremos demarcação de terras indígenas com urgência, saibamos que enfrentaremos o descontentamento de latifundiários que negociaram terras públicas com a União. Se queremos redução da jornada de trabalhado de 44h para 40h por semana sem diminuição de salário, não poderemos contar com os patrões.

Sigamos na luta, sempre!