Barra do Garças (MT) adere a paralisação nacional em favor da educação pública e contra projeto Future-se, anunciado pelo governo federal

Mobilizações

Agência Focaia
Reportagem
Nathália Gonçalves
Júlia Tinan


Membros da comunidade acadêmica em passeata nas ruas de Barra do Garças (MT), durante protesto 
contra medidas do governo na educação. Foto: Nathalia Gonçalves

Ocorreu na manhã desta terça-feira (13), paralisação nacional contra o projeto do Ministério de Educação, Future-se. O manifesto, contou com a participação de estudantes, professores e técnicos, que se mobilizaram em uma passeata pacífica pelo centro de Barra do Garças (MT).

A mobilização tinha como pauta, protestar contra a Reforma da Previdência, a PEC de teto de gastos, e principalmente contra o programa do Ministério da Educação, Future-se. 


Future-se 

O Future-se lançado no dia 17 de julho pelo Ministério da Educação é um projeto que tem como propósito aproximar as Universidades Federais do país ao mercado, com criação de fundo privado, geridos pelas chamadas Organizações Sociais (OS). O programa será de adesão voluntária.
No discurso governamental uma forma de financiamento das instituições superior, que sentem os cortes no orçamento, levando à redução de bolsas de pesquisa e pagamento de despesas básicas seriam as parcerias entre as Universidades, União e Organizações Sociais. A Universidade de Mato Grosso, recentemente teve energia cortada por horas pela falta de recursos para pagamento.
Em essência, a ideia principal do programa é abrir espaço para que as Organizações Sociais tomem a frente da gestão das universidades. As OS são instituições privadas que não tem fins lucrativos e prestam serviços de interesse público. A medida apresentada pelo Ministério da Educação ocorre depois de fortes disputas entre o governo contra as universidades.
As Universidades Federais se manifestaram contra o projeto, alegando que é um mecanismo que leva a privatização. O representante docente no Conselho Universitário do Araguaia (Consua) do Campus da UFMT da região, professor Edson Luiz Spenthof, alega que as Universidades vão perder a autonomia com o Future-se, já que são as OS que vão fazer a gestão, extinguindo os reitores, pró-reitores e etc.
Outro ponto preocupante para o professor é o fim do concurso público, as Organizações Sociais serão autorizadas a contratar professores sem concurso público. “O concurso público é a garantia de democracia, em grande parte também é uma garantia de qualidade”, afirma.
As pesquisas também são um ponto que leva as Universidades à manifestarem contra o projeto. Conforme o docente, na manhã desta terça-feira, durante a mobilização, as Universidades poderão buscar recursos para solucionar problemas financeiros através das pesquisas. Os professores serão autorizados a realizar pesquisas aplicadas para as empresas, e essas empresas entrarão com recursos para a universidade aplicar internamente.
É outro viés que acaba com a autonomia das universidades e, sobretudo das pesquisas. Qual empresa vai financiar pesquisa de licenciatura? Qual empresa vai financiar um projeto de pesquisa de sociologia, de filosofia? Que são as áreas que já foram atacadas pelo Presidente da República”, questiona.
Ele acrescenta que “aquela pesquisa básica que naquele momento não ta sendo usado, como uma pesquisa em matemática, que naquele momento não está tendo uma aplicação direta, mas no futuro vem outro professor pega aquela pesquisa e transforma-a em uma pesquisa válida, essas pesquisas vão acabar. Eventualmente uma pesquisa dessas vai ter interesse público real, mas o objetivo principal é o lucro daquela empresa que está financiando a pesquisa”, destaca Spenthof.

Protestos


Estudantes durante a oficina de stencil na sede do Sintep, na última segunda-feira (12) em preparação 
para os protestos no dia seguinte. Foto: Nathalia Gonçalves

Na manhã da terça-feira foi feito primeiro um encontro na sede do Sindicato Sindicato dos Trabalhadores do Ensino Público (Sintep) de Barra do Garças, às 07h30, onde alguns professores e estudantes fizeram uma releitura dos acontecimentos. Em seguida, foram entregues cartazes para os manifestantes. 

A passeata percorreu o centro de Barra do Garças, com parada na Praça dos Garimpeiros, onde os estudantes, professores e servidores técnicos se concentraram para o ato, a fim de conscientizar as pessoas que passavam no local.

De acordo com a vice-presidente do Diretório Central dos Estudantes, Luana Cristina Galdino Fernandes, a manifestação foi um ato de repúdio a todas as retiradas de direitos que a população recebeu nos últimos anos. “A sociedade em si que mais necessita de um ensino gratuito e de qualidade vai sofrer, e vai perder muita coisa e é só o começo. Temos que começar a lutar, e conscientizar os alunos agora antes que seja tarde demais”.

Fernandes destaca que a mobilização foi um ato pensado com os estudantes da UFMT. “Percebemos que quando unimos as forças com os outros órgãos, você deixa os outros mais fortes pro movimento ocorrer, as pautas que o Sintep vem reivindicando, coincide com as nossas pautas. Afinal de contas vivemos na mesma sociedade e vamos sofrer todos juntos, e a população está acordando e articulando no sentindo de unir em prol das causas”.

O processo de organização para a mobilização contou com várias reuniões e estudos teóricos, como conta Fernandes. “É importante fazer uma militância coerente e inteligente, então depois dos estudos começamos a delegar funções. Foram criados grupos de articulação para o movimento, foram feitas reuniões com os CA’s e a parceria com estudantes do IFMT e representantes do Sintep” explica a vice-presidente do DCE. 


Mobilização unificada 

As escolas estaduais do Estado de Mato Grosso entraram em greve no dia 27 de maio e ficaram 75 dias sem aulas. Algumas reivindicações foram a concessão do pagamento de 7,5% de aumento aos professores, o pagamento da Revisão Geral Anual (RGA). Também a concessão de licença-prêmio e licença para qualificação profissional, e um cronograma de obras para a reforma de 400 escolas. O presidente do SINTEP, Omar Cirino, afirma que os professores de Barra do Garças atenderam o pedido da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), que coincidiu com o final da greve. Os professores do Estado estenderam a greve por três dias para participar da mobilização do dia 13.
A universidade é uma causa nossa também, para os estudantes do ensino médio o próximo passo é a universidade pública. Como há um projeto de desmonte da Universidade pública, nós não podemos nos calar, nós somos frutos da Universidade, nossos filhos e alunos vão para a Universidade, por isso nós estendemos a greve por mais dois dias para participar do dia de hoje”, destaca Omar. As aulas da rede estadual retornam hoje (14).
Os técnicos da Universidade Federal de Mato Grosso também aderiram à greve do dia 13. De acordo com o técnico em Assuntos Educacionais, Bruno Silva, foi deliberado pelo Sindicato dos Trabalhadores Técnicos Administrativos em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso (Sintuf) à adesão a paralisação nacional no dia 6 e 13 desse mês. A paralisação do dia 6 foi exclusiva contra a Reforma da Previdência.
No Campus Araguaia a gente adotou a seguinte tática para os servidores aderirem à mobilização: nós fomos de setor em setor falando com os colegas, falando da importância de nós vimos à rua no dia 13”, afirma Silva.
Para Silva, o saldo foi positivo, conseguindo mobilizar uma quantidade boa de servidores. Ele afirma que o próximo passo é fazer uma análise do movimento do desta terça-feira e depois elaborar um cronograma de luta.

  O protesto contra as medidas do governo na educação foi realizado nas principais avenidas da 
cidade, chamando atenção de pessoas no comércio local. Foto: Nathalia Gonçalves


Releitura das mobilizações
O estopim para as manifestações foi o corte de 30% das verbas das Universidades Federais, anunciado pelo governo no final do mês de abril de 2019. A primeira mobilização ocorreu no dia 15 de maio, quando universidades de todo o país saíram às ruas. No Campus Araguaia a programação contou com mesa-redonda e exposição de trabalhos acadêmicos na Praça Sebastião Júnior, no centro da cidade de Barra do Garças.
No dia 30 de maio, novamente as Universidades declararão paralisação e voltaram às ruas. Em Barra do Garças, o ato contou com professores, estudantes e técnicos que, durante a tarde, fizeram panfletagem em estabelecimentos e nos locais de movimento de pessoas, com o intuito de alertar a população sobre as consequências dos cortes na UFMT.
As mobilizações continuaram no dia 14 de junho. O país aderiu à greve geral dos trabalhadores nesse dia, com manifestações em defesa da educação e contra a Reforma da Previdência. 


População nas ruas 

Durante a manifestação do dia 13 o professor do curso de Letras, Odorico Ferreira Cardoso Neto, falou sobre a importância da visibilidade das lutas a favor da educação. Para Cardoso Neto, apesar de toda retaliação, as universidades são um universo de pensantes, onde tem pessoas que conseguem lutar a favor das melhorias que beneficiem a todos.

Devemos continuar mobilizados, usando todos os espaços públicos para dizer que nós não aceitamos o projeto de governo atual, pois este é um desmonte muito forte”, destaca o docente.

Marcos William Silva, que estava caminhando pelo centro da cidade e parou para observar o movimento, declarou ser a favor da manifestação e observou haver pouca participação, mesmo considerando que são atitudes que visam atender grande parte da população que necessita da educação pública.

Creio que deveria ter mais cuidado de divulgação, trabalhando o acesso à informação com aqueles que não conseguem compreender essas complexidades políticas”. Neste sentido faz crítica aos veículos de comunicação. “Eu acho a TV aberta nociva. A TV aberta transmite uma realidade paralela, e com isso a grande parte da população fica desinformada em relação à realidade do que vem sendo tratado no Brasil”, avalia Silva.

Durante a manifestação, a Agência Focaia tentou contatar pessoas presentes que eram contra o ato, mas nenhuma delas quis conceder entrevista.