A coluna Entre Linhas desta semana traz as observações da escritora Lucilene Machado. “Eu seria igual a todas, não fosse essa angústia vertical
escorrendo por minhas veias e artérias, a mesma angústia que me leva a
escrever”, diz Lucilene.
A Coluna Entre Linhas desta semana traz as
observações da escritora Lucilene Machado (doutora
em Teoria Literária e professora adjunta da Universidade Federal de Mato Grosso
do Sul – UFMS - no campus do Pantanal, em Corumbá – MS) sobre alguns pontos
bastante polêmicos entre o romance e a reportagem. A relação possível entre
ficção e realidade, a utilização em comum de elementos narrativos como tempo,
espaço, personagens, o papel social do narrador-repórter, enfim.
Entre suas idas e vindas, de Campo Grande a Corumbá,
Lucilene nos concedeu esta entrevista e nos deu em primeira mão que lançará em
abril sua obra “Desertos e outras infinitudes”. Uma coletânea de crônicas
com o apoio do FIC e pela editora Life.
Confira a entrevista.
Quais as similaridades e diferenças no processo histórico de
construção das narrativas do romance e da reportagem?
Ultimamente fala-se muito sobre o jornalismo narrativo ou
literário. Não é algo novo, nos anos setenta já se discutiu sobre isso
sob a etiqueta de “Novo jornalismo”. Hoje os estudos estão se aprofundando no
gênero para fixar as práticas de como contar a realidade com as armas da
literatura. Até pouco tempo a fronteira entre jornalismo e literatura era muito
bem demarcada, mas a irrupção de novas tecnologias e mudanças que vão sendo
produzidas no mundo jornalístico em torno da Internet, chama a atenção para a
necessidade de se contar boas histórias como um tipo de enfrentamento ao lixo
audiovisual, o sincretismo das redes sociais e a febre dos telefones celulares.
O jornalismo narrativo se serve ou se utiliza do universo que nos rodeia e para
narrar esses fatos. De forma esteticamente bela, recorre às chamadas figuras do
discurso, isto é, à forma não convencional de se utilizar as palavras, de
maneira que, ainda que elas sejam empregadas em suas acepções habituais, estão
acompanhadas de algumas particularidades fonéticas, semânticas, estilísticas
que as afastam de seu uso habitual e se tornam especialmente expressivas.
Até pouco tempo a fronteira entre jornalismo e literatura
era muito bem demarcada, mas a irrupção de novas tecnologias chama a atenção
para a necessidade de se contar boas histórias.
Certamente não é isso o que figura nos manuais de jornalismo
que se empenham em eliminar os duplos sentidos e as conotações da linguagem. Eu
mesma, quando tenho que ministrar aulas sobre a linguagem jornalística, em seu
sentido primário, sinalizo que os recursos literários, estilísticos, retóricos
estão confinados ao uso da produção de obra literária, fabulações e relatos de
Ficção. Mas, não deixo de enfatizar que, dentro de um aspecto sistêmico,
também se pode fazer arte no jornalismo. Há muita polêmica envolvida se
analisarmos as características da não-ficção dentro dos limites oferecidos pelo
conceito do gênero, cujas normas conservam conceitos clássicos do jornalismo e
questionam os postulados da literatura.
Historicamente, o romance está associado à ficção, ou seja,
à narração de fatos imaginários. Do mesmo modo, a tradição jornalística
conseguiu impor uma estrutura para redatar notícias prescindindo dos recursos
estilísticos vinculados à literatura. Entretanto, nas duas modalidades os
mecanismos para narrar fatos são similares. Utilizamos os mesmos recursos
quando inventamos uma história como quando narramos um fato vivido. Em ambas as
situações, realizamos uma construção da realidade por meio da linguagem. Tanto
a notícia como o romance tem uma origem comum como discurso: a notícia é uma
narrativa natural que remete a ações de pessoas e é representada por um narrador
vinculado a um mundo.
Dica de Priscila Rapachi