Opinião: 'O Gigante acordou, que seja para melhor'

Maria Julia Wowczyk e Maria Isabel Lemos Estudantes e brasileiras


“Mude, mas mude devagar, porque a direção é mais importante que a velocidade”.
Clarice Lispector, brasileira.


Segunda-feira, fomos às ruas gritar, berrar, espalhar nossa voz para demonstrar nossa insatisfação. Insatisfação com o quê? Com tudo. Sob o estopim da violência dirigida contra os manifestantes pacíficos do Movimento Passe Livre (quinta, 13), fomos às ruas bradar contra tudo aquilo que calamos por décadas. E fomos em peso, em massa, fomos muitos e com cartazes que confundiam por pedir mudanças diferentes - e como não seriam? Diversidade é nossa marca.

Todos esses cartazes, no entanto, tinham raízes em comum: a insatisfação e a urgência por mudança. Fomos por "tudo", mas esse "tudo" , na verdade, é um sentimento, é um grito de socorro, e gritamos! Alto e emocionantemente, voltamos a nos sentir parte de um Brasil, e esse grito foi tão uníssono que o sentimento, o "tudo", virou uma bandeira, e nós nem percebemos. Lutar por tudo abre espaço para tudo, e foi essa a característica que marcou os movimentos desde a segunda (17), a pluralidade e diversidade de focos e de modos de nos manifestar.

O problema é que a massa, insatisfeita e sem direção concreta, num movimento eufórico, gera o caos. E historicamente no caos, a violência tende a imperar porque não precisa de organização ou de direção, espalha-se para todos os lados. Foi o que aconteceu. A manifestação que começou pacífica se desvirtuou totalmente do pouco foco que poderia ter, e o caos e a violência tomaram conta. O povo, mais de 300mil que se manifestavam respeitosamente, que viraram mais de 1milhão na quinta-feira, foi obrigado a dar meia volta em seu percurso para fugir de bombas, balas de borracha, barricadas em chamas e depredação.

Não era essa nossa causa, não era para isso que estávamos lá. A guerra que está acontecendo começou com uma batalha pela mudança, por um país melhor. No caos, na falta de foco concreto e de organização, a violência reinou, e corremos o risco de mudar numa direção que não seja boa. Assim, assistimos hoje a cenas e relatos desconcertantes de desrespeito tanto à população quanto ao patrimônio público. Essa virou uma guerra entre duas forças violentas que nós, que estávamos ali pela paz e pelo respeito, não devemos alimentar. Tenho muito medo de que se não nos afastarmos agora, lideranças perversas irão surgir se aproveitando do momento, e serão acatadas por grande parte dessa massa emotiva e sem foco. Esse é o grande risco que devemos combater, havemos de manter o bom senso e, para isso, deve-se por vezes deixar a emoção de lado para lidar e enxergar um quadro e uma causa maior.

A polícia e os políticos cometeram sim violências que não podem e nem devem ser ignoradas, violências de todo tipo, mas que são semelhantes no desrespeito à democracia, único mecanismo até hoje capaz de fazer com que um país de fato seja de seu povo. Quem está na posição de tomar decisões que afetam a todos deve representar os interesses de todos, não só os deles mesmos. E que se não o fizerem, sejam devidamente cobrados. Mas responder na mesma moeda não é mudar. Combater um mal com o mesmo mal não o cura, só o transforma.

O Gigante acordou, o povo foi às ruas, e não será em vão! Vamos continuar lutando por mudança, vamos continuar lutando por mais respeito e representação e vamos continuar lutando contra a violência a que o Sistema Político falido nos tem confinado. Mas no momento, o melhor que fazemos é nos dar tempo para formular propostas ou projetos ainda mais concretos, para reformar tudo aquilo em que não acreditamos e que levantamos nos cartazes. Que não legitimemos a violência como forma de mudança, e que não nos deixemos levar por grupos perversos e oportunistas.

Esse movimento foi sim histórico e pra sempre vão lembrar do dia 17 de junho de 2013, o dia em que o Gigante acordou. Mas que lembrem como o início de algo melhor! De soluções eficazes e coerentes para que nosso país seja mais justo e respeitoso, não intolerante e desigual. E boas soluções não vêm somente do impulso, vêm do estudo e da maturação. Vamos mudar para melhor. E mais importante, de maneira que o futuro não repita o passado. E aí, o povo irá às ruas de novo! Via G1